Democracias à la carte, cinquenta anos depois
Na aproximação do Natal, onde a Paz é cantada pelo planeta, a condição humana faz evitar que isso seja uma realidade desejável.
Lembro-me que desde os anos sessenta do século passado já se falava e debatia na televisão a preto e branco, sobre um novo aeroporto a construir em Lisboa.
No retângulo do cú de Judas europeu e depois de cinquenta anos a decidir, os pedintes lusitanos ainda discutem onde vão construir uma pista e meia para que os aviões os deixem de matar aos poucos, localizado como está agora o atual aeroporto, no centro da sua capital, com os voos a despejarem biliões de moléculas nocivas à saúde de toda a vida, tanto animal como vegetal, mesmo por cima das suas cabeças.
“… A Associação Ambientalista Zero, mediu a concentração de partículas ultrafinas, um poluente invisível, mas extremamente danoso da saúde de quem o respira, em redor do aeroporto Humberto Delgado em Lisboa, e os resultados são alarmantes. Junto ao aeroporto, verificam-se concentrações deste poluente com picos muito elevados, e mesmo no Jardim do Campo Grande, junto a um parque infantil, as concentrações registadas são insalubres. Já em zonas afastadas da influência do aeroporto e dos aviões, as concentrações medidas destas partículas são muito menores.” (AAZ, 2023).https://zero.ong/noticias/poluicao-do-ar-relacionada-com-o-aeroporto-em-niveis-alarmantes-nalgumas-partes-de-lisboa
“… A entrada das companhias “lowcost” no mercado da aviação fez baixar os custos e permite que mais pessoas se desloquem de avião. Só em 2017, passaram pelo Humberto Delgado (Portela) 26,7 milhões de passageiros, número que representa um crescimento de 18,8% face a 2016.
Assim, o crescimento do aeroporto é hoje maior do que aquele que era esperado, facto que, segundo o administrador da ANA Francisco Pita, faz com que a cidade de Lisboa perca “1,8 milhões de passageiros por ano”. Esta mudança de paradigma veio acelerar ainda mais a necessidade de resolver a limitação da Portela: falta de espaço.
Se já se previa que o atual aeroporto não responderia às necessidades, porque não se resolveu a questão mais cedo?
A discussão sobre a necessidade de um novo aeroporto para Lisboa é velha de meio século. Em 1969, ponderou-se a relocalização do Aeroporto da Portela, inaugurado em 1942. Num primeiro estudo, apontava-se Rio Frio como a localização, mas o 25 de Abril e a crise petrolífera da época atiraram a decisão final para o ano de 1999. A Ota foi, então, apontada como a melhor localização, ainda na vigência de um governo de António Guterres.
O tema voltou à praça pública com o executivo de José Sócrates, que encomendou um estudo comparativo entre a já avaliada Ota e a zona do Campo de Tiro de Alcochete. O Laboratório Nacional de Engenharia Civil – entidade responsável pelo estudo – deu preferência à solução de Alcochete por ser mais barata. Tinham sido gastos 40 milhões de euros em estudos para o aeroporto da Ota.
O período de crise económica e financeira que assolou o país em 2011, fez com que a tomada de decisão novamente fosse adiada.”(Imprensa de 2012).
“Mais de 200 mil cidadãos de Lisboa não podem dormir, caminhar na rua, trabalhar, aprender, descansar, brincar ou conversar sem o incómodo ininterrupto dos aviões a passar — são cerca de 600 por dia, um a cada dois minutos e meio, às vezes mais. Os níveis de ruído e poluentes atmosféricos com origem no tráfego aéreo, a que acresce o risco de acidente, foram crescendo ao longo dos anos, negligenciando totalmente a população afetada”, “Aeroporto fora, Lisboa melhora” (15nov2022).
Uma das causas que provocam o ceticismo dos povos em regime democrático, é sem dúvida a hipocrisia impudente dos seus dirigentes, a sua lábia na manipulação dos povos que governam, a falta de alternativas e de verdadeiros líderes, a mentira e corrupção em corrente permanente, numa conspiração elitista, destituída dos ideais republicanos, socialistas, democráticos ou outros quaisquer aceites na conceção de estado de Direito. Os atropelos com sistemas de justiça feitos à medida, sistemas escritos e votados pela seita político-profissional, sem consensos alargados e de formas dúbias.
O planeta Terra começa a esgotar todas as suas condições de vida democrática existentes. Bastará falharem as causas naturais como o ambiente e todas as comodidades de conforto, para que das revoltas populares nasçam dirigentes que diabolizem o futuro.
Os povos começaram a estar fartos destas democracias à la carte.
A displicência usada pela casta política, a indulgência dos corrompidos sistemas de justiça – apenas justos para os mais fracos – cobrindo os seus pares e amigos, a corrupção, quase descarada, da alta finança que tudo compra – mesmo o âmago.
Por tudo isto e muito mais, não admira que estejamos à beira de terminar o ciclo histórico das democracias modernas.
O que virá depois?
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