Há frente dos maiores acontecimentos registados na memória dos nossos antepassados, o Diário dos Açores gravou para sempre factos histórico-culturais e sócio económicos que, sem a sua existência, se teriam perdido nas linhas do tempo.
Nunca é demais sublinhar que todo esse inquestionável património devemos ao seu fundador: Manuel Augusto Tavares de Resende, que com apenas 25 anos e inspirado pelo ainda resistente Diário de Notícias, criou este jornal e rapidamente se revelou um jornalista inconfundível e irreverente na região, pois preconizou, em diversos artigos, as bases da nossa autonomia – decerto surpreendendo em cada palavra quem o havia considerado apenas um sonhador, fruto da sua tenra idade.
Numa linha editorial sem precedentes na região, este jornal tornou-se a voz de muitas figuras ilustres e intelectuais que, já na altura, colaboravam com artigos de opinião despojados de ideais sobre o progresso desta terra.
Em boa parte devido à publicação desses discursos, nos seus primeiros anos de vida era obrigatório ler o Diário. Ou, pelo menos, dá-lo a alguém que o soubesse ler, pois eram publicados anúncios importantíssimos, como ofertas de emprego, ou notícias sobre os barcos que iriam atracar nas ilhas com destino para o Brasil ou Estados Unidos da América. Nas suas páginas davam-se conselhos sobre a saúde e apontamentos sobre a agricultura; publicavam-se os preços dos produtos à venda no mercado; publicava-se o nome dos passageiros que saíam ou entravam em São Miguel, com destaque para as pessoas de classe social mais elevada; e informavam-se as pessoas que um determinado médico iria de férias, por exemplo, para as Furnas e quando regressaria a Ponta Delgada e voltaria a receber os seus utentes. Ainda era motivo de notícia quem se casava, quantos nascimentos tinham ocorrido num determinado mês, quantos baptizados por cada freguesia teriam acontecido e quantas pessoas tinham morrido naquela data no hospital. Notícias sobre o clero também eram frequentes, com a descriminação de onde iriam ocorrer as festas religiosas ou procissões, sendo que naquele tempo já se elogiava as festas de Rabo de Peixe, sempre repletas de muita gente. Com o editorial do director escrito na primeira página – versando os mais variados assuntos –, o Diário retratava os mais simples acontecimentos que ocorriam na vida do açoriano.
Porém, o jornal não publicava apenas notícias locais.
Vários paquetes traziam histórias fervorosas do continente português, Madeira e mundo fora. Notícias trágicas, como assassinatos em Paris ou catástrofes, o crescente número de mulheres jornalistas nos Estados Unidos, que em 1887 já chegavam às 200, ou o facto de haver inúmeras casas de prostituição espalhadas pela Europa, chocariam certamente algum açoriano mais conservador.
Efectivamente, o Diário dos Açores era um jornal sem igual. Num modelo jornalístico diferente – arrisco-me a dizer até engraçado –, eram publicadas curiosidades sobre a vida comum. O uso de termos e títulos irónicos ou com alguma troça também eram frequentes, especialmente quando aconteciam desacatos, facto recorrente na ilha de São Miguel.
Para uma leitura apetecida ou para as senhoras que gostavam de literatura de cordel, eram publicadas novelas, pequenos romances, poemas religiosos ou de amor, dedicatórias, receitas e anedotas.
Por outro lado, nota-se também que, nesta década, Ponta Delgada estava a crescer enquanto cidade. Muitas lojas colocavam publicidade no Diário e enchiam páginas inteiras, chamando a atenção para os seus chapéus de palha ou vestidos que seguiam a “última moda” de Paris.
E mais. Lê-se frequentemente nos primeiros números do Diário dos Açores, o “incentivo” a se entregar um objecto roubado até “X” dia nas instalações do jornal. Se tal não acontecesse, o nome do larápio seria publicado nas estampas do quotidiano e enfrentaria a humilhação social.
Hoje, na comemoração desta data invulgar, provamos, mais uma vez, que a constante evolução tecnológica não será capaz de fazer desaparecer o genuíno jornalismo de imprensa. Em quase século e meio de publicação, o Diário dos Açores continua a servir o propósito do seu fundador, de criar vínculos com as pessoas e favorecer o jornalismo regional como parte integrante da população, embora novos desafios se tenham colocado nas gerações que lhe seguiram.
Detentor de uma importância inigualável na vida do açoriano e de um dos patrimónios mais ricos da imprensa portuguesa, recordamos nesta edição especial várias notícias com História e publicamos alguns desses trechos que merecem ser lembrados, pois este é um jornal que bem merece que dele não nos esqueçamos.