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Clélio Meneses, ex-Secretário Regional da Saúde e Desporto “Um dos grandes desafios da governação será a consensualização, o diálogo, a capacidade de ouvir, envolver e decidir”

Clélio Meneses foi Secretário Regional da Saúde e Desporto do XIII Governo dos Açores. Foi ainda deputado na Assembleia Legislativa dos Açores nas Legislaturas VII e VIII. É licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, com uma
pós-graduação em Direito Regional da Universidade dos Açores. Em entrevista ao Diário dos Açores dá-nos a sua visão sobre o actual panorama político na Região.

Como analisa os resultados eleitorais nos Açores e a viragem àdireita?
Um conjunto de factores de diferente natureza e geografia levaram a este reforço da dita direita, também, nos Açores. A tendência internacional para desestatizar a vida pública e o cansaço do sistema político vigente tem esse resultado. Os cidadãos estão fartos de um Estado que lhes suga grande parte do seu trabalho e rendimento com impostos, de um Estado marcado pelo domínio de interesses pessoais e de grupos que vivem à conta, exactamente, desse esforço individual no contributo que cada um dá para a sociedade, sem que receba desta a resposta exigível, em áreas sensíveis como a Saúde ou a Educação.
Os grandes responsáveis por este caminho são todos aqueles que usaram e usam o poder público para seu benefício exclusivo e as pessoas percebem isso agindo em conformidade com a sua escolha eleitoral.
Nos Açores, para além desse contágio sistémico, houve uma clara resposta do eleitorado ao manifestar confiança numa governação interrompida e com bons resultados em várias áreas na vida das pessoas e penalização de um PS que não soube lidar com o seu papel de oposição.
Na verdade, em 27 anos, foi a primeira vez que o PS foi a eleições na oposição e isso fez muita diferença para quem sempre esteve habituado a fazer campanha eleitoral governando.
Por outro lado, a figura de José Manuel Bolieiro conseguiu suportar os perniciosos efeitos de outros governantes na imagem do Governo, sendo, claramente, o maior responsável pelo apoio maioritário dos açorianos à sua governação.

Os longos períodos de governação com maiorias absolutas terminaram? Vamos assistir, daqui por diante, a uma maior fragmentação e, consequentemente, a arranjos parlamentares para a formação de governos?
Também aqui a tendência internacional é essa. A vida está cada vez mais volátil, mais rápida a todos os níveis, nas relações humanas, laborais, económicas, sociais, nos avanços da tecnologia e das respostas para as necessidades das pessoas, pelo que sendo a política uma actividade humana também tem essa consequência. Tudo corre, tudo tem prazo de validade, cada vez mais curto.
Por outra via, a fragmentação da própria sociedade com distintas e cada vez mais específicas causas faz com que as mesmas se queiram fazer representar, porque cada vez menos há valores com capacidade de se afirmar na generalidade da comunidade como princípios constituintes da mesma. O que para uns é essencial e determinante, para outros não o é, defendendo, exactamente, o oposto, criando caleidoscópios sociais e políticos com reflexo na actividade partidária e parlamentar.

Como vê a posição da Coligação em avançar com um governo sem negociações pré parlamentares e a posição do PS em recusar viabilizar o governo da coligação?
Este tempo exige compromisso e abertura. Ninguém se pode achar com a capacidade de exigir e decidir sozinho. Por isso, um dos grandes desafios da governação será a consensualização, o diálogo, a capacidade de ouvir, envolver e decidir. Mas tudo isso não poderá ser mera formalidade ou aparência. Os eleitores estão fartos de políticos de imagem, apenas para fazer parecer que é sem realmente o ser. Para isso, é necessário que toda essa ação política seja verdadeira, convicta, sincera, confiável. Só assim se conquista a credibilidade dos vários agentes da vida pública e, sobretudo, dos cidadãos.
O PS fez, exactamente, o contrário. Ao decidir votar contra um documento que nem conhece, agiu com base no seu interesse imediato, fechando-se nas suas perspectivas e objectivos com o que presta um péssimo serviço à Autonomia, à Democracia e aos açorianos. O PS, dizendo o contrário, deu uma enorme boleia e apoio a todos aqueles que põem em causa o sistema, revelando ser o principal responsável pelo descrédito da política e pela falta de confiança das pessoas em quem tem o dever de os representar.

O chega, por aquilo que significa, é um problema para os Açores, terra de pouca tradição extremista?
O Chega tem os votos que os eleitores lhe dão. Um voto de um cidadão que já votou noutros partidos não pode passar a ser menos legítimo por ter sido no Chega. Quem alimenta o medo é mais quem o anuncia, esquecendo que com isso o está a fazer crescer. Um dos maiores equívocos na vida política nacional e regional é que, para os dirigentes dos partidos, o Chega é um problema, mas para grande parte dos seus tradicionais eleitores isso não é um problema. Sim, falo em partidos, porque os eleitores dessa força política já tiveram opções de voto da esquerda à direita, com o que também se revela essa ilusão, conveniente para alguns, de rotular à direita os votantes do Chega.
Tudo isto acrescido com a incoerência absurda de demonizar o Chega, quando grande parte dos quem o fazem está ou esteve, directa ou indirectamente, relacionada com regimes totalitários, objectivamente violadores de direitos, liberdades e garantias e promotores de pobreza e exclusão social. O resultado regional e o resultado nacional que se prevê são a resposta dos cidadãos a toda esta narrativa anti Chega. Por isso, o cerne da questão está nas responsabilidades de todos os agentes políticos e no modo de as assumir.

Temos um problema de repre-sentatividade popular nos Açores? Os partidos não estarão a descurar a modernização do nosso sistema eleitoral?
O nosso sistema eleitoral foi revisto há, relativamente, pouco tempo com a criação do círculo de compensação que, aparentando, não resolve os problemas da representatividade. Ainda nestas eleições, ficou notório que o sistema tem brechas. Porém, mais do que isso é essencial que os cidadãos se sintam efectivamente representados e se identifiquem com os seus mandatários, o que, nalguns casos, não acontece.
Esta reflexão tem de ser feita e aprofundada, mas, acima de tudo, tem de ser eficaz e não se prolongar por gabinetes e anos, como tem sucedido com o processo legislativo da dita reforma da autonomia.
No entanto, é assinalável que tenhamos tido, no sufrágio de 4 de Fevereiro, o maior número de votantes em eleições à assembleia legislativa dos Açores desde 1980, constituindo a segunda eleição com maior participação para este órgão da autonomia na sua história.
Na outra face da moeda, é necessário perceber que, de um leque alargado de onze forças políticas a apresentar propostas ao eleitorado, 2.522 açorianos tenham decidido sair de casa para dizer que nenhuma satisfazia as suas pretensões, votando em branco. Só na ilha Terceira foram 702 eleitores, o que significa que apenas três projectos alcançaram maior resultado.
É, por isso, indispensável actualizar a forma de fazer política, de acordo com as novas dinâmicas da sociedade, mas, essencialmente, é preciso dar passos firmes e rápidos na credibilização dos agentes políticos que promove a confiança dos cidadãos em quem os representa. Essa é a grande missão da política deste tempo.

Há quem ponha em causa o número de deputados actuais e até o círculo de compensação. Qual a sua opinião?
Entendo, desde logo, que uma região como a nossa, em termos demográficos, económicos e sociais, tem deputados a mais. Essa é uma luta antiga de alguns, mas, infelizmente, sem sucesso.
Quanto ao círculo de compensação, aprovado quando tinha responsabilidades de liderança parlamentar, em 2006, teve a minha clara e isolada oposição, por sentir que, com o argumento de se aperfeiçoar a representatividade se estava a artificializar essa representatividade e a distanciar o eleitor do eleito. Todavia, reconheço estar do lado minoritário dessa história.
Quais os grandes desafios que se vão colocar ao novo governo?
Em primeiro lugar, o óbvio desafio de fazer aprovar o programa de um governo sem maioria absoluta, o que estou crente irá ocorrer.
Após essa aprovação, sucedem-se todos os momentos de decisão parlamentar, com especial relevância os planos e orçamentos, em que será necessária muita sensatez, competência, sinceridade e elevação na preparação dos documentos, no envolvimento do parlamento e nas decisões a tomar.
Para além destas questões procedimentais, mas de fundo, o grande projecto político tem de ser a autonomia dos cidadãos. Os 24 anos de socialismo, nos Açores, criaram uma sociedade dependente do apoio, da protecção, da decisão e do interesse de quem governa. Isso é muito difícil de mudar por mera vontade ou decisão, pois muitos comportamentos e conceitos cristalizaram nos dois lados, em quem governa e em quem é governado. Esse desmame do “Governo papá” que manda, dá mesada, paga e aparentemente protege é decisivo para o salto da Autonomia e da Democracia, pois o que aconteceu nas últimas décadas teve um efeito anquilosante nos cidadãos, na sua liberdade, determinação e capacidade de produzir, empreender e autonomizar.

Se formos novamente a eleições é um drama?
As eleições nunca podem ser um drama. Dramático é quando o povo não se pode expressar e manifestar o seu entendimento sobre a vida pública. No entanto, não será positivo para uma região com as fragilidades e potencialidades dos Açores ficar parada nas grandes decisões relativas a investimentos, em particular os que dependem de fundos europeus, durante os meses que antecedem e se seguem aos actos eleitorais.

A nível nacional, como perspectiva que será o resultado das eleições de 10 de Março?
Como as sondagens insistem em revelar ninguém sabe quem ganhará as eleições nacionais. Sempre que colocam a AD ou o PS em primeiro lugar, há sempre uma diferença equivalente ao intervalo de segurança. Apenas, a relevância do Chega, com a possibilidade de ter mais de 20% dos votos parece ser aceite genericamente. Por isso, teremos tempos muito exigentes, desafiantes e novos na vida política nacional.

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