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Politicamente (in)Correto

A perda da maioria absoluta em 2020 e a derrota eleitoral em 2024 configuraram, para o Partido Socialista dos Açores e, sobretudo, para o seu Presidente, um evidente sinal de alarme, uma necessidade absoluta de “tocar a reunir” para repensar estratégias e planear o futuro.
A erosão de 24 anos de governação (duas décadas com maioria absoluta), provoca no poder uma dupla cascata: a da apropriação e a da acomodação.
A apropriação de todas as influências, o domínio do jogo político, a sensação de que tudo é possível, independentemente da cíclica avaliação pública, pelo menos quadrienal, em sede de eleições.
A acomodação natural do tempo e do espaço, com a notória diminuição de necessidade de confrontação, mau grado as habituais, sonoras e, por vezes, inacreditáveis trocas de decibéis nos plenários mensais da Assembleia Legislativa Regional.
Vasco Cordeiro, ao cabo de oito anos de governação em Sant’Ana tê-lo-á percebido, a dado passo, mas competia-lhe ir a jogo há quatro anos, para cumprir os três mandatos legalmente admitidos. Talvez o erro tenha estado na reincidência, quatro anos volvidos, aproveitando, é certo, um quadro de alguma instabilidade na coligação de governo, mas percebendo (porque Vasco é um político arguto, experiente e conhecedor dos sinais…), que seria muito difícil ao PS vencer as eleições de fevereiro deste ano.
E até a derrota (porque elas, as derrotas, seja na política ou em qualquer outra área das nossas vidas, são os primeiros patamares para a conquista de novos desafios e vitórias) poderia ter sido aproveitada pelo Partido Socialista para catapultar o antigo Presidente do Governo dos Açores ao lugar que ele, efetivamente, mereceria: o de deputado ao Parlamento Europeu, respaldado na experiência entretanto agregada em funções de topo ao nível da política regional europeia e da ultraperiferia, e projetando, a nível do velho continente, uma defesa que seria decerto brilhante dos interesses dos Açores e das suas especificidades geográficas e arquipelágicas.
Diz-se que foi Vasco Cordeiro a não querer a candidatura a Estrasburgo e Bruxelas. Naturalmente, um dos lugares elegíveis na lista do PS seria seu. Algo me parece mal contado nesta história. Nos bastidores do PS estaria a ser cozinhada uma outra dimensão, há muito pensada e integrada, envolvendo a rendição de Vasco Cordeiro na liderança açoriana. O certo é que o PS apresenta um candidato cinzento, muito longe da capacidade e da figura institucional de Vasco Cordeiro. Por ironia, em lugar facilmente elegível para os socialistas, enquanto, do lado social-democrata, Paulo Nascimento Cabral, um executivo de provas dadas e com profundo conhecimento dos meandros da União Europeia, em particular de dossiês importantes como o da própria região e o da Energia, é relegado para um dificilmente elegível sétimo lugar da lista, numa atitude profundamente deselegante e desprestigiante de Luís Montenegro e da direção nacional do PSD para com as estruturas regionais do partido e, em bom rigor, para com os Açores.
E Vasco Cordeiro, “en passant”, sairá também da liderança do Partido Socialista nos Açores. Em sequência, e apesar de uma espécie de (curto) tabu, Francisco César vem a terreiro assumir candidatura à Presidência, no congresso eletivo de setembro próximo. Ninguém – absolutamente ninguém – se admirou com o anúncio público do vice-presidente do grupo parlamentar do Partido Socialista à Assembleia da República e agora, também, membro do Conselho Superior de Defesa Nacional. É uma estratégia trabalhada há muito tempo, patrocinada pelo Presidente do PS (apenas por acaso seu pai), e delineada para o momento em que fosse necessário suceder a Vasco Cordeiro. Uma espécie de linhagem garantida por mais alguns anos, no que concerne à linha política e ao “modus operandi”.
Ora a questão está exatamente aí: no modo como a “sucessão” foi pensada e está a começar a ser implementada. Porque Francisco César representa, para o PS nos Açores, exatamente o que foi sufragado e questionado (em 2020), e sufragado e rejeitado (em 2024). É obviamente legítimo que César (que corporiza verdadeiramente as funções de “político profissional”) seja candidato, assuma essa vontade, e até fale em futuro na sua declaração pública de compromisso.
O que parece estranho é a condição de alguma inércia até agora revelada por determinadas franjas socialistas, remetidas a um quase sepulcral silêncio (honra seja feita a Sónia Nicolau, ex-deputada socialista à ALRA, voz discordante assumida e cuja não integração nas listas da legislatura seguinte nunca foi bem justificada pelas cúpulas açorianas do partido).
Questiona-se a capacidade do PS nos Açores de, verdadeiramente, se rejuvenescer. De aproveitar a oportunidade da saída de um líder que, inquestionavelmente, se posiciona entre os “históricos” do partido para rever posicionamento, ajustar a imagem junto do eleitorado, refrescar ideias e propostas, ser mais interventivo com os seus projetos e muito menos contribuidor com a oposição básica e bolorenta do “não, porque não “, sem que se percebam alternativas verdadeiramente estruturantes para a sociedade açoriana, numa perspetiva de médio e longo prazo.
Resumindo: Francisco César vai concorrer sozinho à liderança socialista nos Açores? A sério?
Não há quadros qualificados, que venham da sociedade civil, que tenham uma carreira profissional e encarem a política exclusivamente como uma missão temporária mas obviamente meritória nas suas vidas, e que queiram (possam…) legitimar o PS como o partido democrático, pleno de alternativas e de vozes discordantes (“in pectus”), mas capazes de honrarem a tradição de um partido que sempre se apresentou como agregador de diversas franjas, de múltiplas convicções?
Creio que o próprio Francisco César agradeceria oposição interna, como forma de crescimento politico e de verdadeira legitimação do vencedor da eleição para a primeira função do PS na região.
Se é ou não a personalidade em que os socialistas açorianos se revêem para os representar e para, em 2028, lutar pela vitória eleitoral nas próximas regionais, compete às bases (descontentes?…) do partido a palavra final.

Rui Almeida*

*Jornalista

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