“Coimbra: uma insígnia de renome no mercado agro-alimentar. Origem: Espanha. Uma banca de peixe com espécies de qualidade. Dois cabazes em planos distintos, mas contíguos: um de sardinha, outro de carapau ‘miúdo’, vulgo, ‘jaquinzinhos’. Uma só etiqueta, em dígitos visíveis, a encimar ambos os cabazes: 4,99 €.
Cliente manda aviar 1 Kg. Na caixa exigem-lhe pela partida de “jaquinzinhos”: 10,99 € / Kg. Protesta: o preço constante do rótulo é de 4,99 €.
Justificação: foi um lapso!
Deve pagar os 4,99€, constantes do rótulo, ou os 10,99€, exigidos na caixa?”
Enunciada a questão, cumpre apreciar à luz dos preceitos legais em vigor.
E se perder a sardinha
De forma mal amanhada
O seu ceptro de rainha
Por de todo mal amada
O ceder ao ‘jaquinzinho’
O preço desnivelado
Grafado assim de mansinho
Não colhe por triste fado…
- A Lei dos Preços de 1990 estabelece no seu art.º 5.º:
“1 – A indicação dos preços de venda e por unidade de medida deve ser feita em dígitos de modo visível, inequívoco, fácil e perfeitamente legível, através da utilização de letreiros, etiquetas ou listas, por forma a alcançar-se a melhor informação para o consumidor.
…
3 – Só podem ser usadas as listas quando a natureza dos bens ou serviços torne materialmente impossível o uso de letreiros e etiquetas ou como meio complementar de marcação de preços.
4 – Em qualquer caso, a indicação do preço deve ser feita na proximidade do respectivo bem …, de modo a não suscitar qualquer dúvida ao consumidor.
5 – Os bens… vendidos ao mesmo preço e expostos ao público em conjunto, podem ser objecto de uma única marcação de preço.
6 – Quando o preço indicado não compreender um elemento … essa particularidade deve estar explicitamente indicada.
…” - A aparência conta: ao decidir-se pela compra, o consumidor teve em mira o preço afixado susceptível de abranger as duas espécies piscícolas.
- Ao exigirem, no acto de pagamento, preço superior, é lícito ao cliente impor que facturem o bem só e tão só pelo preço exposto (a menos que houvesse uma diferença abissal em que ressaltaria à evidência que de erro grosseiro se trataria, não podendo de tal beneficiar).
- Aliás, a não afixação do preço da espécie, por negligência, e o facto de ao cliente se não poder exigir montante superior ao exibido, constitui já de si uma “sanção” para o fornecedor por ter de ficar, no caso, com o eventual prejuízo ou menor margem de lucro que a expectável.
- A cobrança de preço superior ao constante dos correspondentes suportes constitui crime de especulação previsto e punido na Lei Penal de Consumo (DL 28/84, de 20 de Janeiro : art.º 35):
“1 – Será punido com prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias quem:
…
c) Vender bens ou prestar serviços por preço superior ao que conste de etiquetas, rótulos, letreiros ou listas elaborados pela própria entidade vendedora ou prestadora do serviço; …
3 – Havendo negligência, a pena será a de prisão até 1 ano e multa não inferior a 40 dias. …”
EM CONCLUSÃO
- A indicação dos preços de venda e por unidade de medida deve constar de todos os produtos de modo visível, inequívoco, fácil e perfeitamente legível, sob pena de ilícito de mera ordenação social passível de coima, sendo que a negligência é punível – DL 138/90: n.º 1 do art.º 5.º; n.º 1 do art.º 11.
- Se o preço aposto, de molde a abarcar dois produtos distintos, circunstancialmente próximos, for de 4,99 € / Kg, não é lícito se exija, sob pretexto de ter havido um lapso, o Kg. de um deles a 10,99 € .
- Constitui crime de especulação a exigência de preço superior ao aposto, consoante o que na lei figura – DL 28/84: alínea c) do n.º 1do art.º 35.
- Se houver prova de negligência haverá uma atenuação da moldura penal: de seis meses a três anos de prisão e multa não inferior a 100 dias para prisão até um ano e multa não inferior a 40 dias – DL 28/84: n.º 3 do art.º 35.
- Constitui já uma sanção efectiva o perceber-se um preço inferior ao normal por ter de suportar os prejuízos ou menores lucros que os usuais por ter de dispensar os bens ao preço marcado, inferior ao habitual.
- Mário Frota*
*Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO – Portugal