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O homem de negro

“Há uma semana chegara do Canadá para passar a festa com ele que vivia sozinho. Os outros seis filhos há muito emigraram: três vivem em Fall River, nos Estados Unidos e três em Toronto. Vidas difíceis que nunca mais tinham permitido voltar, nem mesmo pela morte da mãe, há um ano atrás.”

A noite caía sobre a cidade iluminada pelas festividades do Natal. Um silêncio sepulcral invadia a rua, só a espaços acordada pelo rodar de viaturas apressadas.
Deambulando em frente de casa, recordando um passado de tantas memórias, Patrício viu aproximar-se um vulto, em passos cadenciados, dirigindo-se para o centro do velho burgo.
“Alguém aflito, certamente, em busca de ajuda”, pensou o antigo morador da Rua da Cidade. “Quem me dera poder socorrê-lo…”
O vulto aproximou-se e, sem reduzir a marcha, soltou a tradicional saudação em tom delicado: “Boa noite!” Patrício, admirado, de imediato correspondeu: “Boa Noite!”
Patrício, era um homem alto, simpático, bem falante, mas as cores da idade avançada já se refletiam no cabelo e na barba, destacando-se dos negros agasalhos da noite fria de Dezembro.
“Quem seria aquele rapaz vestido de negro dos pés à cabeça, barba por fazer tapando um rosto ainda jovem, sapatilhas gastas e negras, cabelo desgrenhado e mãos escondidas nas mangas de um pulôver gasto pelo uso?”, pensou Patrício continuando a palmilhar o reduto em volta da casa.
Estava ele nestes pensamentos sem respostas, e ouve-se uma voz feminina forte, do interior da casa:
“Pai, oh pai, venha p’ra dentro! Está frio. Anda p’raí um andaço de gripes a atacar muita gente. Oxalá o Pai não seja mais um. Deus o guarde!”, comentou Maria da Piedade, filha mais velha de Patrício, espreitando a rua, da porta de casa.
À medida que a noite avançava, o frio e o silêncio mais se acentuavam.
Não havia viv’alma pelo caminho, talvez porque aquela era a noite da família, e a ceia da consoada habitualmente acompanhada dos tradicionais licores caseiros que aquecem e confortam.
“Vamos p’ra dentro. São horas.”, disse Patrício à filha. “Se tua mãe fosse viva, ainda pensava ir à Missa do Galo. Assim, não tenho ninguém que me leve lá. Por esses caminhos escuros não me atrevo a caminhar…”
Maria da Piedade ouviu, sentiu-se impotente para satisfazer os desejos do pai e não respondeu.
Há uma semana chegara do Canadá para passar a festa com ele que vivia sozinho. Os outros seis filhos há muito emigraram: três vivem em Fall River, nos Estados Unidos e três em Toronto. Vidas difíceis que nunca mais tinham permitido voltar, nem mesmo pela morte da mãe, há um ano atrás.
Maria da Piedade, sentou-se na sala, junto do pai que, recostado na velha cadeira de balanço, coberto com uma antiga manta de lã, não desviava o olhar do Presépio. Para quebrar o silêncio e a saudade da mãe e dos irmãos desabafou:
“A vida é assim. Uma casa tão grande e de tanta gente, e de um momento para o outro vazia…” e as lágrimas rolaram-lhe pela cara abaixo, num choro de luto pela sua mãe que Deus chamara para si.
“Ó rapariga! – atalhou o pai – Deus sabe bem o que faz. Estávamos os dois pr’aqui a olhar um pr’ó outro e Nosso Senhor chamou-a primeiro. Agora estou à espera e não levará muito tempo também irei… Vossemecês estão cada um para seu lado, com maridos e filhos. Não há coisa mais linda! Só eu estou pr’aqui sozinho. Vou continuar assim?…”
Maria ouviu e guardou para si o que lhe ia na alma.
A noite avançava e o sono começava a pesar.
Patrício, com as contas entre os dedos, de vez em quando dormitava. Maria, recostada no ombro do pai, não conseguiu manter-se acordada e sucumbiu ao cansaço das limpezas da casa.
De repente os sinos da Igreja começam a repicar, chamando os fiéis para as cerimónias.
Sobressaltada, Maria despertou julgando que a noite de Natal já tinha passado.
“ Está a tocar para a missa do dia, pai?”
“Ainda não, Maria. É para a Missa do Galo, mas não temos como lá ir…”
Decorridos alguns minutos, ouve-se um toque à porta: “Ó Maria! Ó tio Patrício!…” Fez-se um silêncio como se alguma coisa de grave tivesse ocorrido.
Na verdade não era isso. Um amigo da casa, Manuel Correia, homem religioso e ligado às coisas da igreja, lembrara-se de levar alguns idosos à Missa.
Maria ergueu-se, arranjou o vestido e o cabelo e sem mais reparos correu assustada para a porta.
“Tu por aqui, Manuel, a estas horas? Aconteceu alguma coisa de grave?”
“Não, Maria. Descansa. Eu é que me alembrei de levar teu pai à Missa do Galo. Tu que dizes? É uma prenda do Menino. Nada melhor vos posso dar…”
Maria escutou as palavras do antigo colega de escola e num gesto agradecido abraçou-o com as lágrimas nos olhos.
“Vai arranjar teu pai. Daqui a pouco volto cá”.
Maria da Piedade que tomara o nome da Padroeira da freguesia por devoção da mãe, ainda da porta, foi prevenindo o pai que tinha de arranjar-se para ir à Missa.
Patrício ergueu-se a custo da cadeira, mas com ar satisfeito, pois alguém se lembrara dele e de outras criaturas tementes a Deus, para quem a Missa do Galo constitui um marco da Fé dos crentes.
“Graças a Deus, que alguém pensa em nós”, murmurou Patrício.”Eu tinha a certeza de que o Menino não se ia esquecer da gente, mais não fosse a pedido de tua mãe…”
“Que alegria o Manuel nos deu, meu pai. Nem tudo é mau nesta vida. Nós é que não temos Fé suficiente para acreditar que Deus nos protege. Seja louvado Nosso Senhor Jesus Cristo e sua Mãe Maria Santíssima!” afirmou Maria com voz forte e pronunciada.
“Deus seja Louvado!”, respondeu Patrício, aprontando-se para ir à Missa do Galo.

José Gabriel Ávila*
*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

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