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Que futuro para o nosso sistema de saúde?

As problemáticas estudadas na Bioética que, no dizer de um dos seus pioneiros em Portugal, Luís Archer, é «o saber transdisciplinar que planeia as atitudes que a humanidade deve tomar ao interferir com o nascer, o morrer, a qualidade de vida e a interdependência de todos os seres vivos. Bioética é decisão da sociedade sobre as tecnologias que lhe convém. É expressão da consciência pública da humanidade», preocupam-me desde os primeiros anos da década de 70 do século passado. O termo Bioética ainda não tinha chegado a Portugal, mas aquelas problemáticas já eram abordadas na Unidade Curricular “Ética Especial”, da licenciatura em Filosofia que frequentei naqueles anos na Faculdade de Filosofia, hoje Faculdade de Filosofia e Ciências Humana da UCP, em Braga. Terminada a licenciatura, a minha ligação à Bioética continuou e, a partir do fim da década de 90, assumi a coordenação de um mestrado naquela área que, durante alguns anos, foi ministrado naquela Faculdade.
Vem esta introdução a propósito das notícias sobre o Serviço Nacional de Saúde que há semanas, para não dizer meses, abrem os noticiários do prime time das televisões e preenchem uma boa parte do tempo de emissão dos canais de notícia. Hoje os problemas e dificuldades do SNS estão em foco, mas será que apareceram realidades verdadeiramente novas no sistema da saúde português para despertarem a atenção dos media?
Creio responder com verdade à pergunta se disser que nada de realmente novo surgiu. O que acontece é que estamos perante um avolumar de velhos problemas, há muito estudados na academia e fora dela, e cujas soluções ou medidas de remedeio não foram aparecendo porque a realidade se foi complexificando, a escassez dos meios se foi tornando cada vez mais evidente e, convém reconhecer, a radicalização ideológica não tem facilitado a discussão e a procura de soluções. Os principais problemas e dificuldades do nosso sistema de saúde, concretamente a sua sustentabilidade, há muito que são objeto de estudo, discussão e polémica. Não estamos, portanto, perante novidades, mas enfrentando questões conhecidas, quase todas de imensa complexidade, cujas soluções não são meramente técnicas, mas apresentam sempre forte carga ideológica, de modo que as respostas apresentadas implicam determinada proposta política, mais à esquerda ou mais à direita, de carácter mais socializante ou mais liberal. É evidente que os estudos técnicos têm de ser promovidos, mas uma resposta que se limite aos dados técnicos não chega; serão sempre necessárias soluções que, baseadas tecnicamente, têm uma justificação político-filosófica, isto é, uma justificação num sistema de valores ético-políticos. Numa formulação mais popular e intuitiva: os caminhos propostos para superar os problemas e dificuldades do nosso sistema de saúde têm subjacente uma ideologia. Quem quer que seja que assista com atenção aos noticiários, aos debates, às declarações sobre o que se passa no sistema de saúde em Portugal, concretamente no SNS, já caiu na conta do que acabo de dizer.
Em meu entender a diversidade de leituras e soluções propostas para ultrapassar a situação atual do sistema de saúde em Portugal não é uma desvantagem; pode e deve ser mesmo uma vantagem porque, partindo desta diversidade para um diálogo entre os diversos atores em presença, e se houver vontade política, será possível encontrar soluções suficientemente matizadas para responder à complexidade dos problemas em causa.
Fará, porém, sentido falar em consensos quando o país se prepara para eleições a 10de março? Por certo cada partido apresentará, no seu programa eleitoral, as suas propostas para resolver os problemas e dificuldades que o sistema de saúde hoje apresenta. Essas propostas, contudo, não poderão deixar de ter em conta a realidade dos factos, sob pena desses programas serem uma narrativa estranha à realidade. Pela minha parte, não pretendo fazer propostas de solução, mas apontar algumas verdades/factos incontornáveis que não podem ficar no esquecimento, muito menos podem ser negados. A atenção àquelas verdades/factos é condição sina qua non de qualquer proposta de solução que pretenda ser eficaz.
A primeira verdade/facto a ter em conta é esta: o SNS foi uma das criações mais importantes do regime democrático que saiu do 25 de Abril, pelo que tudo deve ser feito em sua defesa; o seu desmantelamento seria um retrocesso civilizacional. Há, portanto, que fazer tudo o que seja possível para o preservar e melhorar.
Em segundo lugar, é preciso ter presente esta verdade insofismável: “a saúde não tem preço, mas tem custos”, a saúde tem uma dimensão económica, embora não se esgote nessa dimensão. Os cuidados de saúde exigem meios económicos e financeiros para serem prestados. Há que construir estruturas físicas, uma organização administrativa, dispor de recursos humanos para prestar os cuidados de saúde e tudo isto custa dinheiro que o estado vai buscar aos impostos arrecadados. Como, muitas vezes, as pessoas não têm consciência desse facto, há anos, num seminário de Bioética a que assisti, alguém sugeria que, quando os utentes saíssem de um serviço de saúde, se lhes deveria entregar uma nota com o custo real do cuidado recebido, não para que pagassem, mas para que se apercebessem, com clareza, que os cuidados de saúde têm custos.
Uma terceira verdade/realidade necessariamente a ter em conta: em termos de saúde “nenhum estado do mundo tem capacidade de pagar tudo a todos”, ideia assumida pela Constituição quando afirma que o direito à saúde é tendencialmente gratuito. As políticas públicas do estado não se limitam àquele campo. A educação, a segurança, a defesa, a cultura, etc. são outras áreas que o estado não pode descuidar e, como a origem dos meios económico-financeiros do estado provêm dos impostos, o direito aos cuidados de saúde está condicionado pelos meios disponíveis. Isto é: a problemática da sustentabilidade do SNS, quer se queira quer não, tem de ser tida em linha de conta quando se procuram respostas para as dificuldades e problema do sistema de saúde do país. Há que ter presente que os custos com a saúde tendem a crescer muito mais rapidamente do que o crescimento económico. Há anos, num colóquio sobre “Ética, Justiça e Cuidados de Saúde”, um especialista na matéria demonstrou que naquela altura as despesas de saúde cresciam anualmente entre 5 a 7 por cento, e que, em média, o crescimento anual do PIB não atingia 2 por cento.
A assunção destas três verdades/realidades como ponto de partida na procura de soluções para os problemas e dificuldades do sistema de saúde do país pode parecer pouco estimulante, mas é fundamental. Não vale a pena procurar soluções sem ter em conta a realidade e a realidade é esta: a saúde é um direito, mas tem custos e a capacidade financeira do estado tem limites.

Braga, janeiro de 2024

José Henrique Silveira de Brito

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