Qualquer ato eleitoral acarreta, para o Estado, uma despesa pouco comum e sempre inoportuna, sobretudo se se tratar de eleições antecipadas ou intercalares, portanto não previstas no regular calendário quadrienal (legislativas nacionais ou regionais, e autárquicas) ou quinquenal (presidenciais ou europeias).
Mas os investimentos, frequentemente a necessidade de reforço orçamental, alastram a outras estruturas, cujo esforço muitas vezes não é reconhecido pela opinião pública. Como é o caso da RTP, que nos Açores se assume legitimamente como pilar da autonomia e fator preponderante de ligação entre ilhas e açorianos, de aquém e de além-mar.
Nestas eleições regionais, ao concentrar o seu centro operacional para televisão no “Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas”, na Ribeira Grande, a estação pública volta a reunir a totalidade dos seus recursos técnicos, humanos e financeiros, num esforço de mobilização sem precedentes e que merece ser enfatizado e aplaudido.
Quando amanhã, no domingo de votação, Rui Goulart abrir a emissão especial de cobertura das eleições regionais, apresentará uma sondagem “à boca das urnas” encomendada pela própria RTP Açores à Universidade Católica, para dar forma às projeções de resultados e consequente distribuição de deputados. João Simas e Dulce Bradford (de longe, atualmente, os melhores e mais credíveis pivôs açorianos de notícias) acompanharão o Diretor do Centro Regional ao longo da emissão, para a qual a RTP A arregimentou novidades cénicas, de iluminação, de som, de grafismo e de tecnologia digital.
É o trabalho mais visível de um “iceberg” que deveria ser reconhecido, também, a nível nacional.
Mas não. Numa atitude que me lembra o mais puro e duro colonialismo, a RTP 1 montará igualmente um centro de emissão autónomo nas Portas da Cidade, em Ponta Delgada. Isto é, ao invés da mais lógica e coerente solução de economia de escala e de confiança nos meios técnicos e humanos regionais, o principal canal público nacional faz deslocar a Ponta Delgada mais de vinte profissionais e respetivos recursos de emissão para sediar, ele próprio, um espaço nobre, em direto, para os seus telespetadores.
Não sou “quadro” da RTP nos Açores. Se fosse, estaria naturalmente indignado e entristecido. As provas de confiança devem surgir quando mais necessárias são, e para os maiores desafios. A inteligência emocional quase nula, aliada a uma nítida desconfiança nas capacidades dos profissionais da RTP Açores faz desta atitude da RTP 1 e da sua Direção de Informação uma prova de desprezo, colonialismo encapotado e incapacidade de reconhecer as particularidades e especificidades do serviço público de televisão no arquipélago.
Por isso, embora geograficamente muito longe (em Joanesburgo, na África do Sul), amanhã, às 19 horas, não terei dúvidas em aceder à RTP Play para acompanhar a emissão da RTP Açores. O pilar da autonomia reconhece-se pelo esforço nos limites, pelo empenho e pela dedicação dos seus profissionais, tantas vezes ignorados no centro lisboeta de decisões e, sobretudo, apenas requisitados quando a Lisboa ou ao Porto “dá jeito”.
Podemos algumas vezes discordar de critérios editoriais ou opções gerais de programação ou investimento (tantas e tão interessantes conversas tenho, ao longo do tempo, com o Rui Goulart, de quem sou amigo há trinta anos!…), mas não nos podemos desviar do essencial: a RTP Açores merece todo o respeito dos telespetadores e da própria estrutura da empresa pública.
O respeito que conquistou ao longo de quase 50 anos de emissões regulares, contra ventos e marés, a unir mar afora o que os Açores têm de melhor: a sua alma e a sua gente.
Rui Almeida*
*Jornalista