Como analisa, numa breve síntese, os resultados das eleições?
Se outras provas fossem necessárias, os resultados das intercalares regionais demonstraram, curiosamente, o que a classe política gosta de sublinhar: a verdadeira sondagem é mesmo a das urnas…
Tinha ficado claro, ao longo do último mês, que a potencial ingovernabilidade da região suscitava uma reflexão profunda por parte do cidadão eleitor, no sentido de eventualmente repensar o seu sentido de voto e garantir estabilidade para uma completa legislatura de quatro anos. Já havia bastado a incúria de Nuno Barata e Pedro Neves ao inviabilizarem o Orçamento para 2024 e ao serem directamente responsáveis pela crise política e pela antecipação, em oito meses, do ato eleitoral.
E da reflexão dos cidadão resultou uma inversão nos números previsíveis, um voto de confiança a quem, nos últimos três anos, procurou fazer as possíveis correcções de rumo após 20 anos de maiorias absolutas sucessivas, algo nada desejável em verdadeira democracia, independentemente da força política e dos protagonistas de tal “status quo”.
Se é verdade que a pedida maioria absoluta para a coligação de direita não se confirmou, não é menos real que o cenário aconselha à formação de um musculado Governo Regional, articulado entre os partidos coligados e com o suporte (de papel assinado ou apenas de aperto de mão dado) de um CHEGA que cumpriu todos os melhores objectivos traçados para a noite eleitoral de Domingo.
O “papão” acenado como bandeira de campanha pelo PS não sortiu efeito. Aliás, o próprio Vasco Cordeiro deve, no remanso da almofada e no repouso da eleição, ter reconhecido o manifesto exagero de alguns “soundbites” de campanha e a consequente punição do eleitorado. Lições que decerto aproveitará para se candidatar ao Parlamento Europeu, no próximo mês de Junho…
Quem são os vencedores e os derrotados destas eleições?
José Manuel Bolieiro e José Pacheco ganharam as eleições de domingo. O líder do PSD faz da elegância discursiva e da procura de equilíbrios e entendimentos a sua bandeira, o seu modo de estar e de agir na atividade política. Já assim o era enquanto Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada, continua a sê-lo enquanto líder do Governo Regional, sabendo o modo e o momento como há-de gerir cada crise e cada desafio. É, inegavelmente, o grande vencedor da noite eleitoral açoriana, com um mandato de plena confiança do eleitorado e, obviamente, a consequente responsabilidade acrescida perante a Região, cada ilha e cada eleitor.
Mas José Pacheco, no seu estilo popular, meio desengonçado mas natural e cativante de determinada franja de eleitores, pode também cantar vitória. A passagem de dois para cinco deputados é um cometimento assinalável, desde logo porque corresponde por inteiro às suas próprias previsões e porque a realidade do CHEGA na região difere, em muito, do perfil da força política no continente. Pelos protagonistas, pela especificidade do arquipélago e pelas posturas e propostas produzidas, ao longo de mais de três anos, na Assembleia Legislativa Regional.
Pacheco e os seus quatro companheiros de Grupo Parlamentar têm, também, o fio de prumo da próxima legislatura nos Açores.
Do lado dos derrotados, claramente Vasco Cordeiro. Havia, em Outubro de 2020, perdido a maioria absoluta. Esse sinal amarelo mostrado pelo eleitorado parece não ter sido percebido pelo líder açoriano do Partido Socialista. O mesmo tipo de discurso gongórico, para os “soundbites” mas, sobretudo, para a emulação de uma plateia, o mesmo desgastado quadro argumentativo e a clara incapacidade de contornar medidas concretas tomadas pelo executivo cessante arcaram uma campanha “déja vu”, sem rasgo, sem ideias e sem outro apelo que não fosse… o regresso ao passado.
O eleitor percebeu que Cordeiro pouco ou nada tinha percebido do “recado” de há três anos. E transformou o sinal amarelo num claro “stop” ao líder socialista, que fica agora com caminho aberto para um desejo antigo, o de uma carreira internacional como deputado ao Parlamento Europeu.
Como considera que vai ser a nova governação?
Terá de ser “com pinças” o próximo quadriénio, num Governo liderado por José Manuel Bolieiro, mas com a permanente necessidade de diálogo e equilíbrio interno da coligação e de destreza negocial para evitar dissabores parlamentares.
Bolieiro tem esse perfil: dialogante, sereno, diplomata, mas firme nas convicções e determinado nas acções. As suas “asas” da coligação não terão estas características, consabido que é o pendor mais impetuoso de Artur Lima e a intransigência de Paulo Estevão (que, de resto, conduziu à manutenção, por longo tempo, do pior Diretor Regional da Cultura da história da autonomia açoriana…).
Ademais, há desafios importantes na agenda da legislatura.
A reforma do sistema eleitoral urge, com a diminuição do número de cadeiras no Parlamento da Horta.
A privatização da Azores Airlines terá de se constituir num dossiê prioritário, com a necessária adequação dos pressupostos de serviço publico e da estabilização financeira da asa externa da companhia açoriana de bandeira.
As ligações marítimas de passageiros, cujo atual modelo não serve o interesse da economia da região, aliadas ao estudo e implementação de um novo modelo de transporte, baldeação e distribuição de carga pelas diversas ilhas do arquipélago. A aposta num turismo sustentado e sustentável, protegido e qualificado do ponto de vista dos serviços e do atendimento. O apoio a um tecido mediático em profunda crise, migrando ao papel para o digital mas não esquecendo a especifidade dos meios tradicionais, na formulação de um novo modelo de apoio, eficaz para o jornalismo e garantindo o equilíbrio e a independência dos meios relativamente aos poderes político e económico. Uma verdadeira política cultural, trabalhada com os profissionais do setor, articulada num modelo de financiamento razoável e eficaz, garantindo, por um lado, a independência dos agentes culturais e, por outro, a intervenção governamental cirúrgica em programas que efectivamente representem e estimulem os legítimos anseios de uma comunidade e de uma atividade que merecem ser apoiados.
Resumindo: quatro anos muito desafiantes do ponto de vista parlamentar e governativo, aliciantes para quem se interessa por ciência política mas altamente responsabilizantes para quem se sentar, a partir de agora, na cadeira do poder. A tal cadeira giratória, que não pode ser carreira, mas terá sempre de ser missão.