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Politicamente (in)Correto

Em política, não basta ser. É essencial parecer.
E é muito importante aparecer. E tentar aparecer nos momentos exatos.
Vasco Cordeiro, se bem o pensou, melhor o fez. O líder do Partido Socialista nos Açores, que perdeu a maioria absoluta em 2020 e foi derrotado nas eleições regionais de 2024, fez o que – supostamente – mais gosta de fazer.
Tentou surpreender pela antecipação, fez uso de uma retórica conhecida (discurso pausado e aparentemente coloquial, olhar com bonomia e sorriso quase irónico, narrativa redonda, não saindo dos “soundbites” previamente estudados e que poderiam colher mais frutos junto do eleitorado), e veio a terreiro anunciar o voto contrário ao programa do governo (um executivo que ainda não existe, com personalidades, composição e estrutura ainda não conhecidas e com medidas ainda não anunciadas).
Fê-lo no suposto respeito pelos mais de 41 mil votantes no Partido Socialista, a 4 de fevereiro, mas talvez em desrespeito de todos os outros que não depositaram confiança no projeto do PS. E, até, em contraponto a muitos dos socialistas que, analisados os claros e inequívocos sinais garantidos pelo sufrágio de domingo passado, pretenderiam justamente uma oposição democrática e consciente do seu partido, começando pela óbvia viabilização da força mais votada.
Cordeiro tentou a “fuga para a frente”. Mas esqueceu-se de alguns aspetos fundamentais.
O propalado respeito pelo voto popular, quando convém ao “sucessor” de Carlos César, dilui-se no interesse ocasião e na compaginação com o calendário eleitoral nacional, que prevê intercalares dentro de quatro semanas. De resto, durante a prolongada alocução, ficou a sensação de que Cordeiro tinha um auricular de ordens permanentemente ligado ao Largo do Rato e ao mais radical Secretário Geral do PS dos últimos largos anos.
A lógica de “respeito” pelos votantes socialistas desfaz-se num interesse maior. O da musculada autonomia, no respeito pela autodeterminação dos partidos a nível regional, na consciência de que continuar o cenário de instabilidade passará rapidamente o ónus do mesmo para o Partido Socialista e para o seu líder regional.
Ademais, há um conjunto de conclusões políticas que Vasco Cordeiro, jurista de formação mas claramente político de profissão, pensou tirar, com base na rapidez da reação (várias vezes sublinhado pelo próprio como trunfo e mais-valia), na colagem permanente da coligação ao CHEGA, procurando que uns e outros sejam agora responsabilizados pelos próximos passos da dinâmica política açoriana, e numa espécie de “vitimizacão indireta” pela indefinição (na sua leitura) resultante do ato eleitoral do passado domingo.
Creio que José Manuel Bolieiro, na sua secretária de Sant’Ana ou no gabinete da sede regional do PSD, terá escutado, pensado e… sorrido. Afinal, o líder do maior partido da oposição nos Açores havia acabado de prestar um ótimo serviço à nova perspetiva de governação e ao próprio PSD.
Por um lado, Cordeiro posicionou-se e deixou cada vez mais em claro a sua fragilidade no PS. A simples necessidade de afirmação, do modo como o fez, após duas claras derrotas eleitorais e sem retirar quaisquer consequências políticas das decisões do eleitorado, demonstra à saciedade o quão agarrado está à perspetiva de poder (qualquer que seja a perspetiva e qualquer que seja o poder…).
Por outro lado, conferiu toda a legitimidade à coligação para, num quadro de equilíbrio e solução parlamentar, encontrar o que os açorianos ditaram nas urnas e o líder do PS parece não querer reconhecer: uma solução clara, estável e duradoira para que, finalmente, se cumpra uma legislatura nos Açores com base na diplomacia, no diálogo, nas cedências e nas respetivas consequências.
Em fevereiro de 2028, o eleitor dos Açores julgará o que foi feito e o que não foi feito, o que foi prometido e não foi cumprido. E julgará, como já o fez alguma vezes, a postura, a coerência e o espírito de verdadeira democracia de alguns dos protagonistas da vida política regional.

Rui Almeida*

*Jornalista

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