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Mais recordações de há meio século

Fará por estes dias 50 anos que o livro de António de Spínola “Portugal e o Futuro” apareceu nos escaparates das livrarias e logo se tornou num verdadeiro sucesso editorial, com cinco edições esgotadas avidamente por um público de leitores bastante vasto. Por sinal, encontrei um exemplar da terceira edição, assinado pelo primeiro proprietário, com data e tudo, à venda por um preço simbólico na nossa Biblioteca Pública e não hesitei em adquiri-lo, para reler as passagens principais. Naturalmente, tenho o livro, mas não sei onde se encontra e a oportunidade para o rever é agora ou nunca mais…
O escândalo político provocado pelo livro em 1974 deveu-se ao facto de o seu Autor ter sido Governador e Comandante-Chefe das Forças Armadas na Guiné, onde se distinguiu por uma condução das operações militares muito próxima das tropas no terreno. Além disso, ensaiou um intenso diálogo com os chefes tribais, organizando um Congresso dos Povos da Guiné, onde foi discutido um futuro estatuto político-administrativo para o território, enquadrado na recente revisão constitucional, que abrira, com severas cautelas, a meu ver claramente exageradas, as portas à Autonomia Progressiva e Participada do então chamado Ultramar, conforme a política definida por Marcelo Caetano. (Escusado será dizer que o dito projecto de Estatuto da Guiné veio a ser muito cortado pela Assembleia Nacional, como aliás os das outras Províncias Ultramarinas, em obediência aos princípios colonialistas partilhados pela esmagadora maioria dos seus membros. O mesmo já se tinha verificado, nos primeiros tempos do Constitucionalismo, originando a independência do Brasil.)
E afinal qual era o ponto fundamental do livro de Spínola? O reconhecimento formal de que uma guerra de guerrilha, como aquela que as Forças Armadas Portuguesas estavam, por decisão do Governo de Salazar, a combater há já treze anos, podia-se perder, mas não se podia ganhar. Ora isto dito pelo Vice-Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas e com expresso apoio do respectivo Chefe, General Costa Gomes, correspondia a desacreditar a linha de rumo prosseguida pelo Governo e não podia deixar de ter consequências políticas graves.
O livro saiu à rua nas vésperas das férias do Carnaval e foi devorado pelos leitores tirando delas partido. O próprio Marcelo Caetano, ao tempo Chefe do Governo, levou-o consigo para o ler nesses dias e quando voltou a Lisboa apresentou a sua demissão ao Presidente da República, sugerindo-lhe que chamasse os Chefes Militares e lhes entregasse o Poder, já que divergiam, em matéria tida por fundamental, do Governo em funções. Pelo que consta, o Almirante Thomaz, tido por figura patusca, recusou o pedido e a sugestão e mandou ao Presidente do Conselho que se mantivesse no seu posto e demitisse os ditos Chefes Militares. E assim foi feito, com as consequências de todos conhecidas!
Spínola apontava para uma independência das colónias mediante a realização de referendos e preconizava a instauração de uma Comunidade Portuguesa, que aproximaria todos os novos estados à sua antiga Mãe-Pátria. Ora, proposta semelhante tinha sido formulada por Marcelo Caetano no parecer elaborado pela Câmara Corporativa a respeito da revisão constitucional de 1951, quando o Acto Colonial foi integrado na Constituição de 1933, preparando uma futura adesão de Portugal à Organização das Nações Unidas, cujos princípios anti-imperialistas e anti-colonialistas, tendo em vista a auto-determinação e a independência dos territórios sob dominação colonial, constavam da respectiva Carta e eram portanto imperativos.
Mas uma solução de tal género estava ultrapassada pelo decurso do tempo e pelos importantes acontecimentos entretanto ocorridos, o principal dos quais era o surgir dos Movimentos de Libertação e a guerra de guerrilha por eles mantida em três frentes, contando ainda por cima com amplos apoios internacionais. Aliás, na própria Guiné a independência tinha já sido proclamada pelo PAIGC em Setembro de 1973, sendo até reconhecida por um grande grupo de países.
Tendo assumido a presidência da Junta de Salvação Nacional, após o 25 de Abril, e depois o cargo de Presidente da República, Spínola ainda tentou impor a linha de rumo preconizada no seu livro; mas tal não lhe foi consentido pelos dirigentes do Movimentos das Forças Armadas, que, correspondendo aliás ao sentir da população que então nas ruas se exprimia, pretendia fazer cessar a guerra de imediato e abrir negociações com os chefes dos Movimentos de Libertação, tendo em vista a transferência de poderes e a independência dos territórios o mais rapidamente possível.
Num dramático discurso, em Agosto desse ano, o Presidente da República António de Spínola, reconheceu os direitos povos dos territórios coloniais dominados por Portugal à sua auto-determinação e independência. E entendeu-se que a auto-determinação estava feita, sem para tal se exigirem referendos, por virtude do levantamento popular de armas na mão.
As teses aventadas no livro vieram pois a verificar-se ultrapassadas. A Spínola já só estava aberto o caminho da renúncia à função presidencial, o que de facto veio a verificar-se após os acontecimentos de 28 de Setembro de 1974.

João Bosco Mota Amaral*

*(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo
Ortográfico)

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