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Bolieiro à trave

O presidente do Governo Regional dos Açores esteve na Bolsa de Turismo de Lisboa, o certame nacional mais importante do setor. No Continente, num ciclo de entrevistas da CNN sobre turismo, José Manuel Bolieiro, falou de temas como concorrência, (des)subsidiarização da economia, sustentabilidade, políticas públicas e…o novo aeroporto de Lisboa. Para este governante, o “arrastar” da decisão sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa “penaliza muito os Açores”. “Um turista não sabe as horas ou o dia a que chega ao seu destino, porque chega ao aeroporto de Lisboa para ficar encalhado. Isso penaliza o destino final e condiciona muito o grau de previsibilidade, de estabilidade e até da reputação portuguesa relativamente à previsibilidade de chegar e cumprir horários.” Já tinha ouvido muitos argumentos relativos à necessidade de construir um novo aeroporto em Lisboa. De todos, este é o mais original: vamos construir um novo aeroporto para que os turistas saibam “as horas ou dia a que chega ao seu destino final”, leia-se aos Açores.
Comecemos por este erro nos pressupostos. A companhia líder e quase única nos Açores – confirmado por declarações recentemente apresentadas pelo Grupo SATA – tem um índice de cancelamentos muito elevado para a indústria, mas isso deve-se “sobretudo à meteorologia dos Açores”. Isto significa que poderíamos ter 10 aeroportos em Lisboa, incluindo um apenas dedicado às ligações com os Açores e ainda assim os ditos “turistas” iriam enfrentar esse problema de ficarem encalhados em Lisboa a caminho dos Açores. Onde é que poderíamos melhorar esta situação? Nos Açores, claro! Os governantes dos Açores beneficiam de algo único: são donos e gestores de alguns dos seus aeroportos. Terceira, Pico, São Jorge, Corvo e Graciosa estão fora da concessão da ANA-Vinci. Esta vantagem única, permitiria, em teoria, investir diretamente em instrumentos de aproximação de aviões mais modernos, no alargamento das pistas para permitir outro tipo de aviões e operações ou na instalação de iluminação noturna que permita compensar muitos dos atrasos acumulados durante o dia devido à meteorologia. O “arrastar” destas decisões pelos sucessivos governantes regionais têm um impacto “penalizante” na vida dos turistas e residentes: a SATA Air Açores vê-se obrigada a cancelar mais voos interilhas do que os necessários e tem de conviver com um enorme subaproveitamento da sua frota de aviões: não podem voar depois do por do sol. Por outro lado, no ano em que se discute o possível fim dos voos diretos Horta-Lisboa devido aos problemas de pista no Faial, propriedade do Governo da República, Bolieiro vem a Lisboa falar do…novo aeroporto de Lisboa?! Que pena ter perdido este momento para colocar os Açores na agenda aeronáutica da República e para dizer que o país aeroportuário não se resume a Lisboa. Ao mesmo tempo, na 2ª ilha mais turística do arquipélago, o aeroporto do Pico, propriedade do Governo Regional, continua com sérias limitações de pista, que afetam a aterragem e descolagem de voos sem escalas para a Europa. Perante este cenário, onde e em quê é que este governo regional resolveu investir?! 6 milhões de euros para um novo terminal na Graciosa, cujo “grande feito” será poder acolher dois aviões a hélice Dash em simultâneo – algo que, aliás, nunca acontece por não haver essa necessidade.
No dossier da concorrência, Bolieiro recebeu dois cartões vermelhos este inverno: as ligações entre S.Miguel/Terceira e o Continente sofreram um enorme retrocesso com a redução drástica dos voos da Ryanair; e em declarações recentes ao Jornal Negócios, o diretor da 2ª maior companhia de Lisboa que deixou de voar para os Açores em 2017, afirmou que a easyJet só voltará a voar para os Açores quando “não houver distorções de mercado” e quando “as regras do jogo voltarem a ser iguais para todos”. Esta deveria ser a maior preocupação de Bolieiro. Não, não é o novo aeroporto de Lisboa que vai melhorar a concorrência de/para Açores.
Por último relembrar algo muito importante: contrariamente ao resto do país, os Açores têm uma companhia aérea própria, inteiramente subsidiada pelo dinheiro dos contribuintes. Isto permite justamente que os “turistas” não tenham de ficar “encalhados” em Lisboa. A Madeira, por exemplo, não tem esse instrumento que permite não só ter voos diretos para os mais variados destinos, como também permite desviar os passageiros “via” outros aeroportos: não tem de ser tudo “via” Lisboa…pelo menos não para a Azores Airlines. Aliás, a resposta de Luis Rodrigues quando ainda era CEO do Grupo SATA sobre o que mudaria um novo aeroporto de Lisboa para a Azores Airlines: “não iria alterar muito”. Relevante para os Açores é dizer que, em 2024, nenhum turista europeu pode regressar, no mesmo dia, das 8 ilhas dos Açores para Milão, Paris, Frankfurt, Londres ou Barcelona via Ponta Delgada com a Azores Airlines porque os horários desses voos não estão coordenados com nenhum voo interilhas. Resultado: o turista “encalha” em Ponta Delgada… sempre! E não só quando há atrasos! Já o passageiro americano que sai de Boston e apenas troca de avião em Ponta Delgada por ter comprado um bilhete muito barato na Azores Airlines, chegará a Milão mais rapidamente do que o tal “turista” em visita aos Açores.
Foi pena, de facto, José Bolieiro ter vindo a Lisboa a uma feira de turismo e perder esta ocasião única para vir falar do novo aeroporto de Lisboa e dos turistas no aeroporto de Lisboa em vez de falar nas políticas públicas erráticas, erradas e penalizantes em curso no seu arquipélago e de como as pretende mudar…ou, pelos vistos, não.

Pedro Castro*

  • Consultor em Aviação Comercial e Turismo
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