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(Re)visitações de uma continental(Conclusão)

Esta pujança deve-se, seguramente, a muitos factores, destacando-se a especificidade da geografia que molda o sentimento da gente açoriana – bem o senti quando, pela primeira vez, pisei o seu chão -. O lugar que habitamos, habita-nos, determinando quem somos, ou seja, segundo Viriato Soromenho-Marques
«(…) a condição humana encontra sempre na natureza – e nas paisagens que são o seu desdobramento e a sua discursividade próprias – um caminho para dentro de si mesma, na senda célebre do duplo movimento da naturalização do homem e de humanização da natureza» 5
E a Natureza, a paisagem açoriana, tal como cada ser humano, é única.
Este diálogo identitário, entre o ser humano e o lugar que habita, de que nos fala Soromenho-Marques, vai ao encontro do que Vitorino Nemésio constatara e, em 1932, expressou deste modo:
«A geografia, para nós, vale outro tanto como a história, e não é debalde que as nossas recordações escritas inserem uns cinquenta por cento de relatos de sismos e enchentes. Como sereias temos uma dupla natureza: somos de carne e pedra. Os nossos ossos mergulham no mar» 6
É também esta geografia que determina que cada ilha, à sua escala, tenda a ser um país, um continente, um universo, ou seja, um Todo. Talvez seja esta razão que permita entender que, por exemplo, das 700 bandas filarmónicas existentes em Portugal, 101 estão nos Açores. Consultei os últimos censos e fiz as contas: Nos Açores existe uma banda para 2340 habitantes, contrastando, no continente, com uma banda para 16.666 habitantes.
Eis algumas notas do que sinto relativamente ao desconhecimento de quem Somos e que vai ao encontro do que li de Onésimo Teotónio de Almeida.
«Durante décadas procurei chamar a atenção do público leitor continental para a riqueza do espaço cultural açoriano como sem paralelo no universo nacional. Esforço vão, como tantos outros no nosso país. A partir de certa altura, achei mais sábio desistir. […] Por isso, tenho repetido aos amigos com quem há muito partilho magníficas experiências insulares, a importância de deixarmos de nos preocupar com a indiferença nacional e de, ao invés, nos voltarmos para dentro do nosso espaço ilhéu. O nosso para-fora deverá ser a rede imensa, cada vez maior, dos arquipélagos que se multiplicaram por esse mundo nos Brasis, Canadás e Américas. Conversemos entre nós, que na companhia das ilhas estamos sempre bem» 7
A Revista de Cultura Açoriana, editada pela Casa dos Açores de Lisboa, em Lisboa, há 35 anos, como o seu título indica, foi, e continuará a ser, um meio divulgador da poesia, literatura e cultura açorianas, sobretudo, neste lado do Atlântico, malgrado a indiferença ou a ignorância a que aludimos.
No seu primeiro número, com quase 200 páginas, encontramos textos ensaísticos e estudos de cultura, de Valdemar Mota, Bettencourt da Câmara, Luís Fagundes Duarte, José Guilherme Reis Leite, Ana Maria Almeida Martins, António Manuel Couto Viana, Maria dos Remédios Castelo Branco, Maria da Conceição Vilhena, Eduíno de Jesus, Eduardo Ferraz da Rosa e António Brandão Moniz.
Estas participações são, sobretudo, ensaios sobre a obra, ou aspetos da obra, de poetas açorianos, Vitorino Nemésio, Antero de Quental, Alice Moderno, ou um, então, desconhecido poeta, Miguel de Sousa Alvim. Para além do ensaio, podemos ler estudos de cultura, como é o caso, por exemplo, do texto de Luís Fagundes Duarte, intitulado “Polícias e Ladrões, em busca das Origens das Danças da Ilha Terceira”.
Para além das ilustrações em que se destaca reproduções de Domingos Rebelo e António Dacosta, encontramos a secção de poesia cujos poemas, alguns, então, inéditos, são de Natália Correia, Pedro da Silveira, João Afonso, Almeida Firmino, Álamo de Oliveira, Vasco Pereira da Costa e João de Bettencourt. E, a propósito, importa registar o seguinte:
Nesta secção não consta Eduíno de Jesus. Considerando que este poeta é um dos maiores da poesia açoriana, não percebemos a sua não inclusão. Talvez o Diretor da revista, Eduíno de Jesus, não lhe reconhecesse as qualidades literárias, que nós lhe reconhecemos. Tenho a certeza quea ausência deste poeta se deve ao facto do seu diretor persistir na atitude que é, desde sempre, constante da sua ação cultural: estudar e divulgar a literatura, a poesia e a cultura açorianas, ignorando a sua própria escrita. Diacho! Como se ele, Eduíno de Jesus, não tivesse criado o que de melhor se tem feito neste domínio, nos últimos 70 anos!
Volto a Onésimo Teotónio de Almeida e ao texto que citei:
«Os Açores viveram, entre os meados da década de 80 do século passado e o início do presente milénio, o mais dinâmico período da sua história cultural»
Com efeito, assim foi. Participou deste dinamismo A Revista Açoriana de Cultura que teve em Eduíno de Jesus a sua alma mater.
Obrigada, Mestre!

5 Falas da Terra no Século XXI – What do wesee green? Lisboa, Esfera do Caos Editores, 2011, p.53
6 Revista Insula, Ponta Delgada, Ano I, Nº 7 e 8, Julho e Agosto, 1932
7 Mínima Azorica – O meu mundo é deste reino: Lajes do Pico, Companhia das Ilhas, 2014, “Sobre esta Azorica”, Nota Introdutória, pp.11-12

Anabela Almeida*

*Intervenção de Anabela Almeida na sessão realizada na Casa dos Açores (CA) em Lisboa, dia 22 de março de 2024, conforme edição Especial Aniversário do Boletim Informativo nº 38 de hoje, 27-04-2024, da CA, por ocasião do seu 97º Aniversário.

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