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Em comemoração: Teófilo Braga (1843-1924) o grande Esquecido (V)

«De modo que, aí temos o Mondego engalfinhado no Tejo».
Como nos seus primeiros tempos de Coimbra Teófilo Braga para se manter e como ajuda à parca mesada paterna, tinha de escrever e trabalhar muito, dependia de alguma boa vontade dos editores de jornais. Para além da colaboração na imprensa na “Revista de Coimbra” e no “Instituto”, escrevia poesias, dava explicações, copiava sebentas para os colegas com mais poder económico e que assim podiam ter as disciplinas em dia.
Para Teófilo as coisas correram bastante mal, pois Castilho ofendido procurou vingar-se e conseguiu que a direcção do “Jornal do Comércio” deixasse de publicar artigos seus e assim perdia uma das poucas fontes de rendimento que tinha. Diz o próprio Teófilo:
«De repente achei-me cercado de ódios; cortaram-me os víveres na empresa do jornal, nas aulas de Direito tiram-me a mesquinha distinção académica, os críticos espalmaram-me rudemente, os livreiros recusaram-me dar publicidade ao que escrevia, e os patriarcas das letras com o peso da sua autoridade sorriam com equívocos sobre o meu valor intelectual, chegando a circularem lendas depressivas sobre o meu carácter e costumes que só consegui desfazer com uma vida às claras e cheia de ignorados sacrifícios. Outro qualquer ter-se-ia rendido. Vi-me forçado a invertes as bases da minha existência, abandonando a Arte que me seduzia, porque me abandonara a serenidade contemplativa, e lancei-me à crítica, à erudição, à ciência, à filosofia. Neste campo os meus erro e exageros bem merecem ser perdoados…».
Entretanto, já em 1868, Teófilo Braga tinha casado, aos 26 anos, com D. Maria do Carmo Barros Leite, senhora sem grandes meios de fortuna e ele próprio não tinha ainda aquela segurança financeira que foi sempre nele uma enorme preocupação. As suas cartas à noiva, nos anos que precederam o enlace, mostram como procurava, com toda a sua tenacidade, um lugar na sociedade mas não através de uma intervenção activa antes porém pela perseverança nas investigações e nos trabalhos de gabinete e de estudo; ele próprio compara os tipos de pessoas como Marta e Maria diante de Jesus. É à figura de Maria e não de Marta com que ele diz parecer-se:
«Uns servem, outros contemplam, -escreve – de facto eu sinto-me com uma grande disposição para pensar. E se há coisa que demande uma quietude mais sossegada e silenciosa, é o pensamento».
Pode depreender-se daqui que a acção dos seus inimigos o lançou numa senda em que já nada tinha de combativo na arena, mas a sua pena tornava-se o seu instrumento de luta e de intenso labor. E, não foi mais longe ainda porque a época lhe era adversa e a ideologia que professava lhe tolhia uma visão mais cuidada nos seus escritos que foram, nem mais nem menos do que 360 obras, algo único e nunca mais realizado em Portugal!
A sua vida familiar iria decorrer num ambiente em que se vislumbrava sempre uma grande riqueza de sentimentos, com muita ternura e afectividade que não manifestava facilmente fora de portas.
Vivendo em casa de sua sogra e tendo-lhe morrido o pai no ano de 1870, a sua vida estava longe da tranquilidade tão desejada. D. Maria José menciona a sua preocupação com a saúde dele, sempre problemática, ao mesmo tempo que lhe descreve a morte quase súbita do pai quando ainda dava aulas no Liceu de Ponta Delgada. No ano seguinte, após ter perdido mais um concurso de uma colocação como lente na Faculdade de Direito em Coimbra, nasceu-lhe a sua filha Maria da Graça à qual se refere sempre com grande carinho.
As suas tentativas de encontrar um lugar na Universidade iam falhando várias vezes. Depois de doutorado em 1868, tinha sido injusta e escandalosamente afastado de concurso apenas por razões políticas. Não conseguiu lugar como secretário da Biblioteca da Universidade, dizia ele que por culpa da má vontade de Antero, depois perdeu possibilidades de colocação como professor, devido à extinção dos lugares e, outras vezes, por ser mal sucedido em outros concursos, provavelmente com injustiça que o marcou e tornou mais desconfiado e amargo. Tudo isso contribuiu para o tornar ainda mais pessimista e a sua saúde era bastante débil, face às tarefas que se impunha. Trabalhava tanto e com tanta velocidade que, entre 1869 e 1872, conseguiu publicar onze volumes da História da Literatura Portuguesa, contra todas a adversidades e silêncios injustos que, como numa barreira, procuravam abafar e calar o jovem açoriano. A sua intervenção na Questão Coimbrã arrastou-lhe inimizades e muitas delas com efeitos de afastamento do seu trabalho na imprensa e mais dificuldades para angariar o seu ganha-pão, numa época crítica da sua vida.
As influências de Schlegel e de Taine e dos irmãos Grimm, Jacob e Wilhelm, não deixam de ser fortes tanto por terem sido favoráveis para começar o estudo das línguas românicas, como por despertarem os interesses filológicos pelas canções de gesta medievais. Mas também se terá de ver a influência de Vico e de Michelet na busca das raízes do espírito dos povos e suas nacionalidades.
O sistema de Hegel será uma presença subtil que não se pode desmentir na elaboração das suas ideias filosóficas, apesar de, em certas ocasiões, ser apressado ou confuso como tantas vezes foi criticado. Na relação entre a história e a filosofia, na visão teleológica de um progresso das manifestações do Espírito, estão muitas influências hegelianas. Uma consulta, mesmo superficial a muitas das suas obras, leva-nos logo a tal conclusão.
O certo é que vendo, como faz Palma Ferreira, a evolução das criticas que ao longo dos tempos lhe foram feitas, acabamos por verificar que, com tão extensa obra e tão incipiente trabalho científico anterior, as suas falhas ou tendências que se multiplicavam, puderam dar azo a que os opositores e admiradores, o considerassem como o fundador do nacionalismo em Portugal, na peugada de Garrett. No seu ideário estava consciente do que devia ao autor de “Frei Luís de Sousa” na continuidade do seu programa estético, agora historiado pela análise das tradições populares capazes de originarem uma história da literatura nacional, na mesma linha em que outros estudiosos europeus seguiam. Castelo Branco Chaves afirma mesmo que os nacionalistas comungaram com Teófilo no transcendente e místico salvatério da tradição, na nacionalidade como fatalidade maravilhosa, no populismo estético como supremo recurso artístico. Depois outras correntes tomaram novos rumos, como foi o caso de António Sardinha e de todo o movimento integralista. Os nacionalistas e tradicionalistas encontraram em Teófilo um filão excelente para justificar as suas intenções. O próprio Teófilo teria escrito que:
«A íntima relação entre a tradição nacional e a interpretação artística é o que sem abstracções metafísicas constitui o Belo».
Muitos serão os que invocaram o seu nome como uma herança cultural que vêem conforme a sua óptica, como sucedera já nos inícios, quer com o filósofo e historiador Oliveira Martins, quer com Antero. O próprio António Sérgio, sempre polémico, tem uma visão injusta e simplista da obra. Como muito bem diz Mário Soares, citado por Palma Ferreira a arrematar a evolução das críticas a Teófilo:
«Apesar das suas contradições, Teófilo Braga não foi tão contraditório como alguns dos seus opositores da juventude».
Tais palavras adaptam-se a qualquer crítica que se verificou ao longo do século XX e nunca alcançam tomar um tom mais científico e isento. A partir de 1872, ano em que finalmente consegue um lugar para leccionar Literatura Moderna no Curso Superior de Letras em Lisboa, a sua vida pode dizer-se que toma um rumo mais organizado. A sua tese tinha sido “Teoria da História da Literatura Portuguesa”. Teve fortes adversários concorrentes e um deles era Pinheiro Chagas, que era dos preferidos, muito embora o seu trabalho fosse muito deficiente face ao de Teófilo Braga, o outro era Luciano Cordeiro. Entre os defensores de Pinheiro Chagas estava outra vez Antero que criticava fortemente a tese de Teófilo, acusando-a de simplismo com um patriotismo nacionalista defensor da latinidade das origens da literatura. Porém não se afastava do hegelianismo em que o espírito da Reforma é a concretização da ideia da liberdade e a sua actividade visava uma concretização das aspirações de transformação social e política com a entrada final da consciência dos povos no estado positivo e científico capaz de uma transformação evolutiva das instituições políticas e sociais que os ideais republicanos realizariam. Sem isso, a sociedade mergulharia num caos que ele vislumbrava com a monarquia e a religião. Não sendo contra a liberdade religiosa, não deixou de ser adversário da Igreja e manifestou empenho em afastar a família de qualquer culto que não fosse a razão e os costumes morais.

Lúcia Simas

Continua

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