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Reflexão depois de votar?

Hoje é dia de reflexão. Já escrevi sobre o absurdo da manutenção deste dia.
Recorde-se que este anacronismo consta de letra de lei, a qual estabelece que quem fizer propaganda é punido com pena de multa não inferior a 100 dias caso seja na véspera da eleição ou com pena de prisão até 6 meses ou pena de multa não inferior a 60 dias caso seja no dia da eleição.
A zelosa Comissão Nacional de Eleições, conforme consta na respetiva página eletrónica, diz-nos que “esta proibição abrange toda a atividade passível de influenciar, ainda que indiretamente, os eleitores quanto ao sentido de voto, bem como a exibição, junto das mesas de voto, de símbolos, siglas, sinais, distintivos ou autocolantes de quaisquer listas.”
Na comunicação social, é proibida a publicação de qualquer artigo que possa conter um fator de influência.
Na prática, qualquer artigo sobre política pode entrar nesta definição e, por isso, os jornais de sábado vão para as bancas sem referências ao mundo político.
Nos meios de comunicação digitais, os textos ficam disponíveis na internet, mas desaparecem das homepages.
Por fim, como mais um exemplo do ridículo, os jornais semanários que saem ao sábado antecipam a data da publicação um dia para evitar dar trabalho à CNE e, assim, poderem sair com artigos de opinião e notícias na secção de política.
É bom recordar que temos eleições, na atual república, há 50 anos.
O quadro legal eleitoral foi sendo ajustado e adaptado ao mundo real e virtual em constante mudança.
Ao voto antecipado tradicional, foi aditado o denominado voto em mobilidade.
Isto quer dizer que uma parte do eleitorado não tem direito a tão fundamental dia da reflexão.
Por exemplo, nas eleições de amanhã, mais de 200 mil eleitores já exerceram o seu direito de voto. E fizeram-nos sem terem 24 horas de profunda e sagrada reflexão.
Desconheço que a paternalista CNE tenha rasgado as vestes relativamente a tão grave sacrilégio e até atentado ao princípio da igualdade!
Deixando de lado a ironia, já era mais do que tempo dos senhores legisladores revogarem tão absurda e obsoleta figura!
Mas como ainda vigora e por forma a evitar qualquer multa ou até pena de prisão, convém aqui deixar um alerta a todos aqueles que têm por hábito escrever sobre política nas diversas redes sociais ao dispor: verifiquem bem as definições das publicações.
É que para a CNE, segundo esclarecimento público da mesma, «todas as publicações com teor passível de influenciar o voto ou perturbar a reflexão em que mergulha o país e que não seja dirigida apenas a “amigos” ou “amigos dos amigos” fica igualmente abrangida pelo mesmo regime.»
Até parece brincadeira, mas não é.
É a CNE em todo o seu esplendor!

Hernâni Bettencourt*

*Jurista

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