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Em comemoração – Teófilo Braga (1843-1924) – o grande Esquecido (VII)

Em Abril de 1874, nasce um seu outro filho que terá o nome do pai. A forma como trata a questão do baptismo mostra como estava arredado da religião cristã e como pensa que só é necessário para suprir a falta do registo civil. Já o mesmo se passara com a necessidade de estar no rol dos confessados para aceder às formalidades do seu doutoramento e casamento, mostrando-se muito contrariado e avesso a tudo o que respeitava a religião e seus preceitos. Via na natureza e a conformidade com ela a perfeição do homem e a selecção da espécie humana uma realização histórica. Toda a sua ternura se concentra na mulher e nos filhos, reservando a santidade para o lar e para a família.
Entretanto, a sua vida pessoal tornara-se afectivamente estável e apenas alguns incidentes e viagens pelo país alteram a sua leccionação e a sua incansável escrita. Comparativamente com outras, as cartas para a irmã têm mais riqueza psicológica e interesse biográfico do que, por exemplo, as para D. Maria do Carmo onde se destacam os elogios à mulher, o culto que pensa que merece, as expansões afectivas, depois as inquietações com a saúde, com a situação económica e algum dado pouco relevante sobre exames nos Liceus por onde passa, alusões a manobras de influências e buscas sempre insatisfeitas por uma casa ou quinta, onde por fim se pudesse instalar definitivamente para trabalhar e descansar tranquilamente.
Quanto à estabilidade económica, que era sua inquietação constante, angustiante mesmo, pela forma como se refere quase em cada carta, quase em primeiro plano das suas preocupações, a partir de 1872, Teófilo Braga que viera do Porto para Lisboa, passando a leccionar literatura no Curso Superior de Letras estava consolidada. Pensa mesmo em comprar uma quinta no campo, para que a família gozasse melhor saúde e as suas actividades são as aulas e o estudo, continuando incessantemente a obra que tornava monumental.
Dá-se, repentinamente, no curtíssimo espaço de 14 semanas, a morte dos dois filhos, já adolescentes, primeiro o seu filho mais novo, Teófilo e depois Maria da Graça, pelos quais se pode notar bem que sempre teve um grande afecto, cuidado e muito carinho.
A sua irmã confidenciou os sonhos e projectos que para eles criara, pensando numa educação que lhes desse felicidade e os afastasse da religião que lhes podia tolher a liberdade e especialmente a «liberdade moral».
O poeta de “Visão dos Tempos” chegou mesmo a desenhar um retrato a carvão do seu filho, já quase adolescente, com um ar tímido, olhar firme e toda uma fragilidade infantil contrastante com o arzinho de adulto que procura ter. É um retrato que respira afecto, delicadeza, carinho.
A sua morte foi quase repentina e de nada valeram as buscas de melhores médicos e tratamentos mais eficazes do que os que começou a ter na aldeia onde adoeceu. Foi uma imensa fatalidade!
Com a sua filha, Maria da Graça, mais velha 4 anos do que o irmão, tendo portanto cerca de 16 anos, o golpe repetiu-se e a dor é ainda maior, se possível pudesse ser, para os pais desesperados e desoladíssimos.
Teófilo sempre mostrara alguma inquietação com as doenças da filha, que sempre fora débil e o retrato que resta dela mostra-a ainda criança, sentada à secretária, com um ar precocemente triste e um rosto estranhamente adulto, num frágil corpo infantil. Com a desaparição destes filhos toda a sua alegria familiar se desvanece.
É então que acontece o rompimento definitivo com Antero. Os amigos quiseram prestar-lhe homenagem e solidariedade devido à morte que assim o atingia em menos de um ano. Camilo escreveu um admirável soneto «A maior dor humana» justamente celebrado e que se tornou no título do livro que lhe escreveram. Todavia há a notar que Camilo era um inveterado inimigo de Teófilo em letras, mas não se furtou a esse preito de amizade e compreensão. Era uma ocasião em que o sofrimento apagava as divergências literárias, em que o apoio a alguém a quem o destino foi tão adverso surgia como natural e compreensivo.
Recorrendo ao depoimento de Gomes Monteiro o ressentimento de Teófilo não provinha só disso.
«(…) A questão vinha de mais longe: do tempo da famosa Questão Coimbrã, em que Antero abandonando Teófilo, se compusera com Castilho, e ainda por outra censurável acção praticada cinco anos antes. Ouvi Teófilo queixar-se várias vezes da inconstância de Antero que em seu entender, era fraco, deixando-se conduzir como uma criança pelo seu amigo Germano Meireles».
Nessa ocasião, Antero recusou-se intempestivamente a colaborar. Podia ter escrito apenas uma nota de condolências, já que, como declarou na altura, não versejava quando desejava, mas não o fez. Demonstrou mesmo uma secura e insensibilidade pouco naturais nele que se mostrava sempre tão condoído com as dores alheias e, sabendo disso, Teófilo, amargurado, sob o peso de uma dor real tão grande, não lhe perdoou nunca tal procedimento.
Por muitas razões, uma das quais foi o seu feitio complexo que não tornava fácil a convivência, queixou-se sempre amargamente das perseguições de que foi tantas vezes alvo e não deixou de se defender e ferir ferozmente os seus inimigos, especialmente Antero.
João Palma-Ferreira, escreveu, a corroborar o sentimento de injustiça que revoltava Teófilo, como tentavam minimizar «o trabalho monumental que produziu entre 1864 a 1872, oito férteis anos em que lançou os alicerces de uma actividade quase febril na destrinça, na sistematização e na orientação futura de uma história literária».
Diz ainda Palma-Ferreira que, se bem nos nossos dias as críticas de Antero e de Oliveira Martins são justificadas, já que Teófilo na questão da origem das nacionalidades, passava «de um fenómeno puramente social» para criar um fenómeno etnológico, para a sua época a sua tese «em favor do primado nacional da poesia popular era ainda escandalosamente revolucionária». Apesar disso o que o jovem Oliveira Martins e seu amigo mais condenavam era a noção de evolução de raça em diferentes momentos representados na literatura, mas antes insistiam na Europa como o cadinho gigantesco em que Portugal romanizado, não é uma nova Roma, mas a sua literatura é devedora dessa latinidade.
Oliveira Martins, que foi um dos seus primeiros críticos, parte de uma perspectiva muito diferente de Teófilo e faz um paralelismo entre a literatura clássica e a medieval, de tal modo que Teseu seria o Tristão medieval, Lancelot estaria para Édipo, o rei Artur uma velha reminiscência de Hércules e assim sucessivamente. O «celtismo» de Oliveira Martins face à insistência de Teófilo em relação à «raça moçárabe» também não podia ser aceite. Ambos são fruto da época do romantismo embora as teses se rejeitem e para mais a hipótese do germanismo de Teófilo torna contraditórias as suas conclusões. Na analise de Eduardo Lourenço:
«a exigência e o radicalismos de Teófilo em matéria de espontaneidade histórica – e por consequência cultural – são de tal ordem que o levam a concluir pela inexistência de uma verdadeira poesia nacional (..,) Portugal nasce adulto, sem infância consciente e divina».
Mas quando Teófilo escreve «… a Idade Média foi o período da história mais profundamente poético e talvez o último em que a humanidade foi criadora» a influência de Hegel pode estar a informá-lo pois a Reforma religiosa seria aquela revolução em que a liberdade se tornaria consciente e as manifestações do espírito tomariam novas formas.
É do testemunho vivo do escritor, Gomes Monteiro, que se pode saber como ele, nunca desistiu de escrever com a idade e já com perto de 80 anos, pretendia ainda escrever uma “História Filosófica de Portugal” e a projectava com mais de 15 volumes para a sua edição. A sua capacidade de trabalhar e os seus sonhos tornavam-no visionário de um futuro que nem um jovem imaginaria tão imenso! Tinha sido notável investigador sempre muito determinado e assim permaneceu fiel a si mesmo até ao fim da vida.
Como fora sempre republicano militante, esta é a seu ver, a solução para a decadência nacional. Assim o vê Machado Pires, pois encontra na República o desfecho para os problemas da pátria, mas considerando a política como ciência positiva, pela educação do povo, «formando o espírito crítico, fazendo circular ideias, provocando o conflito de opiniões (…) em suma: incompatibilidade entre realeza e civilização». O mesmo autor também concorda com a visão hegeliana de Teófilo quanto às revoluções, como marcha dialéctica da História e esta seria inevitável com os sintomas que encontra no caso português: «miséria pública e decadência geral da nação, (…) congestão do capital nas mãos fraudulentas dos banqueiros, (…) alcances nas repartições de estado, fugas de funcionários, uma alucinação de indignidade» e a par disto estava a sua veia anti clerical e a ideia de que a «apatia» era o grande mal que permitia a decadência e desagregação nacional. Por isso toda a sua luta pela educação do povo, a busca de uma nacionalidade que foi buscar primeiramente à raça moçárabe, tese que não teve êxito e depois a uma Lusitânia que se reúne com a tradição romana.
Não admira pois que, em 1910, com 67 anos, seja convidado para Presidente do Governo Provisório, tendo sido mais tarde eleito para o mais alto cargo da Nação, o de Presidente da República! Foi substituir Manuel de Arriaga, seu amigo e Açoriano como ele que, tristemente desiludido com o rumo que a política tomava, desistia do cargo. Fora poeta, sonhador, lutara por uma causa que o apaixonara mas a dura realidade levou Manuel de Arriaga a uma solução em que obedecia mais ao coração e à dignidade e o afastamento da política tomou uma dimensão ética.

Continua

Lúcia Simas

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