De seguida, acabamos por descer à famosa Fajã dos Cubres, em obras de beneficiação, com um café que a ASAE fecharia de imediato (era a única Fajã com café aberto ao público, mas melhor fora não haver), alguns turistas portugueses, do tipo backpackers (mochileiros) e uma célebre lagoa à vista na fajã seguinte (a do Santo Cristo) a que não se chegava a não ser que caminhássemos por uma hora a pé pela costa escarpada ou alugássemos uma moto-4.
Seguimos para os Nortes, o Grande e o Pequeno, parando no Miradouro da Fajã do Ouvidor para piquenicar com a imensa paisagem de mar e fajã por baixo e espesso maciço rócheo e floresta de Laurissilva por cima. Descemos para apreciar a bela e ampla fajã, com belas casas (uma delas com ótima piscina) tudo muito limpo e arranjado, tentamos seguir até à Ribeira de Areia pelo trilho da costa, mas desistimos e voltamos a tirar fotos do miradouro para guardar na memória.
Depois prosseguimos pelo maciço central, pela Pedra Vermelha, em plena serra do Topo, para vermos o ilhéu doutro ângulo, regressando pelo Loural, Ribeira Seca (sem descer à Fajã dos Vimes pela estrada de terra a fim de vermos as casas orladas a azul, como já viramos em Santa Bárbara na ilha de Sta Maria). A vista cá de cima era impressionante.
As fajãs começavam pela sua perigosidade a inquietar-me e a fazer abalar a minha habitual calma chinesa. Em todas as instâncias nunca deixei de pensar como seria a vida naquela e noutras fajãs mais inóspitas ainda só acessíveis em estradas barrentas decerto intransitáveis no inverno. Nem todas estão eletrificadas. Como é que era possível viver-se há séculos naqueles locais, como se obtinham os mantimentos ou todos viveriam na frugalidade do que a fajã produzia? Estariam meses sem verem outras pessoas? Tudo questões que ainda não encontraram resposta.
De qualquer forma a ocupação das fajãs pode ter representado uma libertação social e a mudança de estatuto pois passaram a deter a posse das terras. Ainda hei de investigar melhor se esta propriedade e posse das terras das fajãs não representam uma melhoria social no estado dos povoadores das ilhas. Nas outras ilhas rapidamente a posse feudal, pelos grandes senhores e clero, não permitia que a terra fosse possuída, mas antes arrendada e o trabalho duro explorado num regime de escravatura semelhante ao do continente português. Ou será porque as pessoas foram para lá para terem terras que não eram de ninguém que a natureza dera aquando das grandes catástrofes sísmicas?
Em S. Jorge, a qualquer momento, a terra pode tremer e as encostas desabarem até ao mar, sobretudo no inverno com os solos saturados. Foi assim que se formaram as fajãs e pelo mesmo mecanismo podem desaparecer.
A definição não deixa margem para dúvidas: António Cândido de Figueiredo, no seu Novo Dicionário da Língua Portuguesa, define fajã como “toda a terra baixa e chã ou como pequena extensão de terreno plano, suscetível de cultura, junto a uma rocha, geralmente à beira-mar, formada por materiais desprendidos por quebradas ou acumulados na foz de uma ribeira e assentes quase sempre num banco de lava muito resistente.”
A ocupação permanente destas fajãs tem riscos muito elevados que os planeadores devem ter em consideração. Na ilha de São Jorge, o conceito de fajã foi objeto de consagração legal, tendo o parlamento açoriano definido que se entende por fajã toda a área de terreno relativamente plana, suscetível de albergar construções ou culturas, anichada na falésia costeira entre a linha da preia-mar e a cota dos 250 m de altitude. Pelas caraterísticas climáticas, se voltadas para sul ou sueste, e pela abundância de recursos naturais, aliada à facilidade de acesso ao mar, já que virtualmente todas as fajãs têm o seu portinho, as fajãs foram locais de fixação dos colonizadores, e a partir delas irradiou o povoamento das terras altas do interior.
A Fajã dos Vimes, localizada entre duas fajãs, nomeadamente a Fragueira e a Fajã da Fonte dos Bodes, é um ponto turístico obrigatório para quem visita São Jorge, não só pelo café, mas também pelo artesanato, também pertencente à Família Nunes. Alzira Nunes, esposa de Manuel, e a irmã continuam a tecer as típicas colchas no tear, na denominada por “Casa de Artesanato Nunes”. ([Retirado de Liliana Andrade /RL Açores]). Fomos a esse ponto obrigatório, o café da Fajã dos Vimes produzido no local, único sítio na Europa onde se produzia café à data (hoje já há noutras ilhas). Em finais do século XVIII “um senhor da Fajã de S. João” emigrou para o Brasil, trabalhou numa fazenda de plantações de café. Regressado a São Jorge no início do século XIX, traz consigo uma planta de café, o café arábica, que veio assim dar origem ao famoso café.
Era, à data, a maior plantação de café dos Açores, mais precisamente na Fajã dos Vimes, costa sul da ilha. Cerca de 400 plantas, que após o devido processo se transformam num café que já tem fama. Manuel Nunes, dono da produção de café recorda que a fajã é muito propícia para a planta em si, um clima ameno e solo fértil. “Um clima dos melhores para o café, muito quente e tem muita pedra”, salienta Manuel Nunes. Não sabe precisar, mas recebe anualmente muitas visitas de turistas e curiosos que querem ficar a saber um pouco mais acerca da plantação e saborear o café que afirmam ter “um sabor diferente e especial. Vem aqui muita gente, vêm de propósito das Velas para provar o café”. Umas dezenas de quilómetros que para muitos valem a pena, tal a fama e a qualidade do café que se pode saborear na Fajã do Concelho da Calheta. O café é colhido entre os meses de maio e setembro, isto porque, segundo o produtor, “nunca vem todo de uma vez, vai saindo às camadas”, referindo que o tempo também é que o determina, sendo que “em pleno mês de fevereiro”, tem plantas já com flor, “o que não é normal nesta época do ano”. Apesar de já ter recebido propostas, não quer exportar o café, comercializando-o apenas no estabelecimento, o Café Nunes. “Não quero vender para revenda, para os turistas levarem 50, 100 gramas, tudo bem”, adiantou Manuel Nunes. O produtor aponta como razão “ser uma indústria pequena, é tudo manual e dá muito trabalho”.
Depois nos dias seguintes nuvens baixas e nevoeiros impediram as tentativas de irmos ao Pico da Esperança e caldeirinhas. Descemos à cota zero e do lado leste da Baía de Entre-Morros na piscina do hotel lemos enquanto o benjamim manifestava habilidades aquáticas. Aproveitamos para percorrer a rua comercial das Velas, cheia de pequenas lojas e butiques em saldos de verão, visitamos a enorme loja chinesa (a ubiquidade destas lojas surpreende, embora nos dissessem que uma na Calheta tinha fechado por falta de negócio). Nessa noite regressamos ao Café do Jardim onde sempre fomos bem servidos ao almoço, e a funcionária se lembrava das especificidades dos nossos cafés, mas estava uma cara nova no local, uma jovem a servir, atarantada com o enorme e inusitado movimento. Olhei, era decididamente timorense. Quando nos trouxe a comida (que, por acaso, estava errada) disse-lhe em Tétum “L´ha tene?” (não entende?). Ela olhou para trás, e quando veio com o menu encomendado, perguntei “Diac ca lai? Diac? L’a diác? (Como está? Bem? Mal?) e respondeu “Diac liu” (muito bem) ”. Admirou-se de eu falar Tétum e expliquei que vivera lá antes dela nascer (1973-75). Foi belo o sorriso amigo e o brilho nos dentes. Jamais esperava encontrar uma timorense ali. (Soube, em visita posterior de 2016, que estava a trabalhar na Misericórdia / Santa casa)
Noutra noite resolvemos ir jantar ao pomposamente denominado Clube Naval do sítio e saímos de lá convencidos de que se tratava antes do Clube dos Botes e não do clube naval, quer pela frequência quer pela demora em sermos servidos (demoramos duas horas entre a entrada e saída…) além de que a comida nada tinha de memorável, naquilo que seria a única desilusão digna de registo.
Faltou apenas assinalar que nas ruas das Velas raramente se observam sinais proibidos para o trânsito, o que resultou eu ter andado horas em contramão, até descobrir que tinha de seguir os sinais azuis pois não se viam sinais encarnados. Os poucos polícias locais se me viram não me denunciaram e rapidamente me habituei a esta nova forma de marcar o trânsito. Valeu a pena e não me importava de viver na pequena Vila das Velas.
Chrys Chrystello*
*Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713