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Saúde Pública e a Saúde do público, semana a semana (59): O caminho faz-se caminhando

Os dados para análise da semana: caminhos do Futuro

Uma onda de Verão da Covid19 está em marcha, um pouco por todo o ocidente. A Covid e a “Covid Longa” continuam a ser ameaças reais, cujo impacto conseguimos limitar através da vacinação e das medidas preventivas, já sobejamente conhecidas. A mais importante de todas é o “bom senso”: se está doente, resguarde-se. Garanta que não transmite a doença a outros, pois estará a propagar uma cadeia, que acaba por tirar a vida a pessoas frágeis.
Estamos numa fase em que COVID-19 e Gripe devem ser abordadas de forma semelhante, sem desvalorização de nenhuma delas. Por exemplo, se uma entidade patronal já disponibilizava vacinas da Gripe na fase pré-covid, então deve fazer todos os esforços para que os seus trabalhadores se vacinem para a Gripe e a COVID-19, agora. O vírus da covid muda mais rapidamente do que o vírus da gripe e ainda está a mudar, pelo que a vacinação no próximo Outono é prioritária.
A Pandemia COVID-19 tornou evidente a necessidade dos países (e Autonomias) terem (estruturados e organizados, de forma eficiente) “Departamentos de Prevenção e Controle de Doenças (DPCD)”, preparados para o próximo grande desafio de Saúde Pública, qualquer que seja a doença. Já conhecida, ou ainda desconhecida.
Criar estruturas desta natureza exige que se invista muito tempo a verificar se se possuem as infraestruturas básicas para tal, desde a recolha de dados sistematizada até à componente laboratorial, dotando toda esta “linha” de recursos humanos especializados, e assim conseguindo ter a capacidade de resposta à altura das necessidades.
Exige, na prática, criar uma equipa adequada para combater qualquer doença.
Este é o maior desafio da Saúde Pública no futuro próximo, no mundo ocidental, sem descurar a necessidade de melhorar a saúde mental (aliviando o sofrimento de jovens e famílias atingidas pelo flagelo das drogas, e diminuindo a perda de vidas por overdose ou suicídio, por exemplo), assim como começar o mais precocemente possível a definição dos padrões de saúde das pessoas, para toda a vida.
Qualquer doença emergente carece de monitorização global, e local. Vejamos o caso do H5N1, que na última crónica aqui mostrei como sendo actualmente uma importante ameaça à Saúde Pública, para já nos EUA. Vigiar sinais e sintomas nos trabalhadores agrícolas e testar (laboratorialmente) é crucial. Mas, para isso é preciso que existam testes específicos para o H5N1 nos laboratórios. O uso dos testes de diagnóstico, o mais precoce possível, é extremamente importante, como se percebeu na COVID-19, para quebrar cadeias de transmissão. E, em casos como este, para aplicar o tratamento eficaz, numa fase inicial da doença.
A melhor altura para nos protegermos da próxima pandemia é agora. Escrever isto não significa ser alarmista, ou dizer que estamos em situação de emergência. Não. Falar dos riscos, e partilhar os mesmos com a população, é apenas uma forma de dizer “atenção, esta estrada tem muitos buracos… conduza com cautela, sem confianças excessivas ou excessos”.
É assim que se constrói a confiança com a população, fundamental para que cada cidadão seja um agente de Saúde Pública. Pessoalmente não acredito numa “Saúde Pública proibicionista”. O Estado (em nome de todos nós) deve defender a Saúde de todos, em particular a dos mais frágeis, mas a sua actuação não pode ser demasiado restritiva. Num mundo de adultos, devemos comportamo-nos como tal, e ser tratados como tal. Claro que esta atitude adulta exige comportamentos em consonância… não ter conhecimentos técnicos, ou científicos mínimos, sobre microbiologia ou vacinação, e achar que é válido poder divulgar mensagens falsas e danosas para a saúde da população, e em particular dos mais frágeis, não é um comportamento de um adulto responsável, que possamos aceitar.
Isto não quer dizer que não possa haver “desconfiança na ciência”. Obviamente que pode haver. Mas, essa “desconfiança” exige conhecimentos técnicos mínimos. Alguém arrisca discutir com um mecânico automóvel um qualquer problema num carro, com afirmações tão idiotas como “este pneu vazio resulta de uma falha no motor, e detecta-se quando o mesmo emite um som semelhante ao da música “Let it be”, dos Beatles…?”. Mas, é isto que nos parece a nós, profissionais, algumas das afirmações feitas nas redes sociais, e em público, por cidadãos, uns mais ilustres do que outros. Como as que tive oportunidade de ouvir, da boca de um antigo membro do governo regional dos Açores, recentemente.
A confiança do público é uma componente central da liderança numa Emergência de Saúde Pública (ESP), para nos mantermos unidos, e caminharmos todos na mesma direção. É natural que muitos temam pelos seus negócios, numa ESP; o “medo financeiro”, pelas consequências potenciais para si e para as suas famílias, leva muitos a desvalorizar uma ESP no seu início. Cabe ao Estado garantir que, na defesa do Bem para todos, muitos não sejam atingidos por uma catástrofe, que lhes pareça mais danosa do que a própria ESP.
A confiança exige uma análise cuidada do estado actual das infra-estruturas de saúde pública, uma análise crítica, das suas forças e fraquezas, das oportunidades e ameaças que as mesmas encerram. E, daí, partir para um processo de melhoria, contínuo e objectivo. Há poucos dias, a Diretora do CDC dos EUA, Mandy Cohen, falava sobre as três coisas em que, na sua opinião, assenta a confiança e “a transformação disso num plano tático:

  1. comunicação clara e transparente. O que significa explicar às pessoas: “Isto é o que sabemos até agora”;
  2. Trabalho inter-institucional;
  3. excelência operacional. Temos que estar preparados e prontos para executar”.
    Numa emergência, em qualquer uma, a forma mais eficiente de trabalhar é em equipa. Certamente que mesmo assim há falhas, haverão falhas, mas para se manter a confiança do público, da população, é fundamental a transparência, nos dados, nos números, na informação.
    A “opacidade” leva à desconfiança, o que na Era das redes sociais leva ao espalhar de informações falsas. E, no que toca a estas, já nos bastam as danosas que vemos alguns espalhar, de forma inimputável, indiferentes às consequências que as mesmas trazem para a população em geral, e para os mais frágeis em particular.

A Ciência da semana: “O nível de preocupação com o H5N1, que se espalha nas produções de leite nos Estados Unidos, depende de quem você é.”

Foi Jennifer Nuzzo, epidemiologista e directora do Centro de Pandemia da Escola de Saúde Pública da Universidade Brown, que escreveu no NYT da semana passada. Do seu magnífico artigo retenho esta parte:
“É muito preocupante que a vigilância e a resposta a infecções nas explorações de leite sejam voluntárias. Os testes nas explorações não são sistemáticos ou rápidos o suficiente para proteger os trabalhadores, antes de serem expostos ao gado infectado. Em alguns Estados as autoridades de saúde não conseguiram ter acesso às explorações agrícolas para monitorizar os trabalhadores e investigar a forma como o vírus se está a espalhar. É por isso que, se alguém deveria ficar acordado à noite por causa da gripe aviária deveriam ser os líderes das organizações agrícolas e de saúde, que podem proteger os trabalhadores agrícolas e prevenir uma pandemia.”
O tal trabalho interinstitucional, fundamental.

A Homenagem da semana: ao “Diário dos Açores”

A minha homenagem desta semana vai necessariamente para este jornal, e para o jornalista Osvaldo Cabral, pela disponibilidade e esforço em esclarecer a população, nestas questões de Saúde Pública e Saúde do público. O caminho faz-se caminhando, e paulatinamente. E é este o caminho. Bem-haja!

Mário Freitas*

*Médico consultor (graduado) em Saúde Pública,
competência médica de Gestão de Unidades de Saúde

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