Comento hoje alguns aspectos das questões apresentadas na semana passada neste mesmo local.
Antes de mais a dimensão política conferida à expressão “Povo Açoriano”. Era já frequente utilizar tal expressão para referir os naturais do nosso Arquipélago. Vitorino Nemésio falou da “Açorianidade” como elemento identificador e o certo é que o termo ficou. Mas o que se pretendeu no documento partidário citado foi dar um passo em frente e aludir a “uma identidade própria” das gentes açorianas, quer fossem de qualquer das ilhas e nelas se encontrassem, quer delas se tivessem ausentado e residissem no território continental da República – expressão que me parece preferível a Continente, sobretudo depois de tal palavra ter sido apropriada por uma rede de supermercados – quer se tivessem mesmo estabelecido definitivamente noutro País, por via da emigração.
O Povo Açoriano surge assim como uma realidade autónoma, com uma História própria, marcada por um notório esquecimento da parte do Reino, cujos responsáveis só dele se lembravam para os taxar com impostos, mobilizá-los para a guerra (e isso até à malfadada guerra colonial) e fugir para o seu recato quando as coisas se complicavam na capital do País e seus arredores. Nas origens do Povo Açoriano há certamente portugueses reinóis mas também vários outros grupos de pessoas, oriundos de proveniências diversas. Mais de meio milénio de vivência insular forjaram uma identidade e uma cultura próprias, que se pretendem afirmar nas novas condições do ciclo histórico português pós-imperial.
A nossa reclamação de uma nova Autonomia com dimensão política, de legislação e de governo, e abrangendo a totalidade do Arquipélago, ultrapassa toda a fase anterior de reclamações autonomistas, que aliás se conformaram sempre numa chave distrital, tanto assim que as ilhas do distrito da Horta só ascenderam a distrito autónomo por força do disposto em legislação do Estado Novo. E afinal pretende sobretudo dar forma ao reconhecimento da identidade e da dignidade do Povo Açoriano.
Francisco Sá Carneiro compreendeu perfeitamente do que se tratava e o que se pretendia. Por isso, logo em Novembro de 1974, no I Congresso Nacional do PPD, apoiou expressamente a justa reivindicação dos delegados eleitos pelos vários núcleos do Partido existentes nos Açores, aos quais se juntaram os da Madeira, de que no Programa a aprovar se contivesse o compromisso de incluir no projecto de Constituição a apresentar na futura Assembleia Constituinte a disposição fundamental sobre a elevação de ambos os arquipélagos a Regiões Autónomas, dotadas de estatutos político-administrativos e de órgãos de governo próprio. Faço notar que a proposta por mim apresentada com tal conteúdo levantou alguma celeuma entre os congressistas, que Francisco Sá Carneiro, com a sua autoridade de líder, talhou a nosso favor.
Anos mais tarde, intervindo num comício no Coliseu Micaelense, nas vésperas das eleições nacionais de 1976, Francisco Sá Carneiro proferiu a frase que tenho citado muitas vezes aos meus alunos da Universidade dos Açores: “Um povo dotado de identidade própria tem direito a governar-se a si próprio, através de órgãos de governo escolhidos democraticamente.”Pouco tempo depois realizaram-se as primeiras eleições regionais nas nossas Ilhas e a Nova Autonomia Constitucional e Democrática iniciou a sua implantação.
Foi permanente nos primeiros anos do novo regime a questão dos limites da Autonomia. Quase éramos obrigados a professar diariamente um qualquer artigo de um suposto credo nacional, reafirmando enfaticamente o portuguesismo da nossa gente e que a nossa aspiração de governo próprio não correspondia a uma transição pacífica para a independência… Hoje, felizmente, essas suspeitas estão ultrapassadas!
Mas isso não quer dizer que podemos afrouxar no nosso intento e deixar de estar sempre atentos aos desvarios da mentalidade centralista, para dizer de um modo suave. Como se tem visto, a tentativa de considerar os Açores como uma possessão de Portugal no Atlântico está sempre ressurgindo… Ora, o que nós pretendemos é que nos deixem ser livremente – como cidadãos livres, de um Região Autónoma livre, de um País livre – Portugal aqui!
João Bosco Mota Amaral*
*(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo
Ortográfico)