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HDES uma Odisseia no Atlântico Norte

Tal como a Odisseia, do famoso Homero, a História do HDES (Hospital do Divino Espírito Santo) começa in medias res, i.e. ‘no meio dos acontecimentos’, no dia 04 de maio de 2024, com a tragédia assistida e conhecida por todos, e pressagiada por alguns.
Recuemos nos tempos, voltemos aos anos 90 do séc. passado, quando o HDES foi projetado e executado. Já nesta altura, não era necessário ser um grande conhecedor para saber que se estava a fazer algo, que já não se fazia no mundo civilizado: construir hospitais de grandes dimensões, difíceis de gerir e de manter, com custos tremendos e com a particularidade de trazer problemas de ordem de funcionamento e de gestão hospitalar, por exemplo, quer no congestionamento e fluxo de utentes, quer na higienização e esterilização dos espaços, tão importantes no combate às bactérias ultrarresistentes.
Mais podemos acrescentar, agora, que perante uma situação pandémica, inesperada como a que vivemos no passado recente, um hospital central e geral acaba por tornar-se ainda mais complexo de administrar e gerir, não só a nível de recursos físicos, como também a nível de recursos humanos, na medida em que é necessário isolar os pacientes contaminados de outros pacientes com outras, múltiplas e tão ou mais graves patologias, com necessidade de resposta imediata e célere.
Voltemos um pouco atrás. Os Açores e São Miguel precisavam de um hospital que desse resposta às necessidades dos açorianos e micaelenses, nas mais variadas valências? Claro que sim. Sem dúvida. Escolheram o melhor modelo e souberam tratar, cuidar e manter o modelo escolhido? Claro que não. Possivelmente por falta de recursos quer humanos, quer financeiros, quer outros tantos argumentos que poderíamos aventar mas que, neste momento, não servirá para nada. Havia outras soluções? Claro que sim. Mais práticas, mais económicas, mais fáceis de manter e conservar e, possivelmente, evitariam a tragédia anunciada e verificada.
Naquele tempo, pela Europa (e mesmo no Continente Português) já não se construíam ‘cidades hospitalares’ como o Hospital de Santa Maria ou o HDES, pelas razões anteriormente anunciadas, mas faziam-se Hospitais Especializados, Hospitais de Pequeno Porte, mais fáceis até de descongestionar a afluência e tratar de forma rápida e eficiente quer os utentes, quer os diversos pacientes, nas diversas valências.
A megalomania das decisões políticas traz muitos votos, é certo e sabido – grandes inaugurações e cortar de fitas – porém, a longo prazo, resulta em desastres, problemas e calamidades, como o que, infelizmente, assistimos. Acrescento mais um detalhe: paradoxalmente, São Miguel TINHA outro hospital, no centro da ilha, que poderia ter sido requalificado, remodelado e transformado num verdadeiro hospital especializado ou de pequeno porte, complementar ao que se iria construir: O Hospital da Cidade da Ribeira Grande, entretanto desativado e transformado num centro de Saúde, cada vez mais reduzido na sua capacidade de resposta às necessidades de TODOS.
Passemos à história contemporânea do HDES. Imediatamente, após o conhecimento da catástrofe, ouvimos, serenamente, os responsáveis políticos e administrativos a declararem o seu total apoio e disponibilidade para resolver, rapidamente, tão grande problema, e apoiamos, sem dúvida alguma, todas as manifestações de agradecimento e elogio a todas as equipas quer de Bombeiros, quer da Proteção Civil, quer do Pessoal Técnico e Médico que evitaram um mal maior que poderia ter resultado em vítimas humanas.
Depois, como sempre, começamos a ouvir as ‘megalomanias’ do costumo a par das ‘promessas’, que serão para realizar, sempre, nas ditas ‘calendas gregas’, ou como costumamos dizer ‘no dia de São Nunca, pela tardinha’.
Primeiro, era um hospital de raiz, novo; não haveria remendos, nem emendas, nem reparos. Depois já se falava na necessidade de um hospital de campanha, com tudo o que isto implica; mais à frente, falou-se num hospital provisório e, entretanto, fala-se muito de um ‘hospital modular’. Esta última hipótese, escolhida, saibam leitores, é uma construção que, podendo ser de alta qualidade, não deixa de ser uma opção a breve trecho, transitória, o que implica, naturalmente, a necessidade de pensar em algo de definitivo que sirva os Açores e, particularmente, os micaelenses, pelo menos, nos próximos 30 a 50 anos. É o que se está a fazer? Não me parece.
As contradições surgem. As equipas de engenheiros e a tutela da saúde contradizem-se quer nas prioridades, quer nas necessidades. Entretanto o povo, tal como Ulisses, na Odisseia, olha, ao longe a sua Ítaca, sem conseguir alcançá-la.
Esperemos que, ao contrário de Ulisses, os Açores, os açorianos e os micaelenses encontrem a sua resposta rapidamente. Ulisses levou 20 anos a chegar a Ítaca. Esperemos que ‘os deuses’ estejam do nosso lado e cheguemos lá muito antes… Cabe a cada açoriano defender os seus direitos e garantias. Se deixarem nas mãos de outros, dificilmente chegarão a Ítaca. Precisamos de saber quem, como e quando se fará o que é necessário. Temos o direito e o dever de conhecer onde e o modo como ‘o nosso dinheiro’ é utilizado. Queremos um HDES recuperado, remodelado e requalificado; queremos outros hospitais públicos, de pequeno porte ou especializados, como queiram chamar, de suporte ao HDES e ao serviço das populações; queremos equipas técnicas, equipas especializadas médicas, técnicas e administrativas. Não queremos que volte a acontecer o que aconteceu no dia 04/05.
Nós temos, como está consignado na Constituição da República Portuguesa, a prerrogativa do Acesso Universal à Saúde. Esta é, talvez, uma, senão a questão de maior relevo, nos últimos 50 anos de Democracia, na vida de uma pessoa: A SAÚDE. Não a deixemos ao sabor de politiquices e de interesses economicistas ou, ainda pior, a outros interesses que não a saúde. Vamos defender aquilo a que temos direito: Um SERVIÇO PÚBLICO de SAÚDE UNIVERSAL para todos, em condições, com infraestruturas e meios técnicos e humanos que nos ajudem a ultrapassar as adversidades, enfermidades e padecimentos que infelizmente, fazem parte da nossa existência. Sim, procuremos, tal como Ulisses, a resposta certa, a verdadeira solução para esta Odisseia.

Judite Barros*

*Professora

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