A mineração em mar profundo é um tema a que, pela sua enorme relevância e potencial impacto, temos dado devida atenção, nomeadamente perante o que se configura essencialmente como o ruidoso silêncio da maioria da comunicação social, pouco predisposta neste particular como em outros, a questões de fundo. A extração de minério em mar profundo, com o uso de maquinaria pesada, promete não só destruir completamente as porções do fundo oceânico diretamenteafetadas e as comunidades vivas que nelas existam, mas ter impactos alargados cujo alcance é, como alertado pela comunidade científica, largamente desconhecido.
Avanços tecnológicos ameaçam viabilizar em breve uma nova indústria de extração submarina. O aumento vertiginoso da procura de recursos minerais para alimentar o atual modelo de consumo massificado – está previsto que entre 2017 e 2050 a procura de minerais seja superior à totalidade da procura entre a alvorada da humanidade e a atualidade – e em particular o de sectores de ponta cuja tecnologia requer certos minérios com propriedades específicas, são, perante o “potencial mineralógico” do fundo oceânico, usados como argumentos fortes para defender a necessidade e apontar a quase inevitabilidade dessa indústria.
Esqueçam o Espaço, o Mar é a nova fronteira. Depois de décadas de expectativa, corporações e fundos de investimento preparam-se para o que esperam seja o próximo grande desafio: a exploração dos recursos naturais do fundo oceânico. Embalado pelo furor crescente em torno das reservas minerais contidas no fundo do mar, acompanhado naturalmente pelos costumeiros discursos acerca de desenvolvimento económico, prosperidade comum e, mais recentemente, sustentabilidade, o olhar das elites globais, sempre ávido, vira-se para os oceanos, que cobrem 70% da superfície terrestre, e para as “riquezas” que estes escondem. [edição #17 do Jornal MAPA, o artigo “Turvar as águas”]
A presença confirmada de vários campos de fontes hidrotermais a Sudoeste do arquipélago dos Açores, ao longo da Dorsal Mesoatlântica, de crostas cobaltíferas a Norte e, em menor grau, nódulos de manganês a Sul, despertaram o interesse de um conjunto de atores públicos e privados, com a União Europeia (UE) à cabeça. A UE definiu em vários relatórios recentes um conjunto de matérias primas consideradas críticas – 27 minerais, de acordo com o relatório mais recente – a maior parte das quais importadas, com a China como principal fornecedor europeu e exportador mundial. Esta situação é vista a nível europeu como possuindo importância estratégica e como tal a UE tem assumido um papel de crescente destaque nesta área. Presente no Pacífico, quer através do projeto DSM SPC-EU, quer através de parcerias público privadas promovidas por vários estados membros, a UE está também no centro da crescente mobilização institucional público privada europeia que tem o Atlântico como foco, onde as concessões marítimas nacionais e o mar em torno dos Açores em particular assumem um papel de destaque. Segundo Marta Chantal Ribeiro, coordenadora do Grupo de Investigação em Direito do Mar no Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR, Universidade do Porto), o mar em torno dos Açores “será a área mais apetecível no contexto da União Europeia e aquela onde, provavelmente, a mineração tem condições para avançar, do ponto de vista do interesse económico dos depósitos ali existentes”. É sob este prisma que devemos considerar alguns dos desenvolvimentos que passamos a descrever.
Foi no âmbito da extinta Comissão Interministerial da Plataforma Continental que foi dado o primeiro passo, em 2005, para a criação da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental (EMEPC). Esta visava preparar, apresentar e assegurar a defesa da proposta de extensão da plataforma continental perante a Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC) das Nações Unidas. É fundamental notar que a extensão da plataforma continental está exclusivamente orientada a assegurar a soberania de um Estado sobre os recursos no solo e subsolo para lá das 200 milhas marítimas da sua Zona Económica Exclusiva (ZEE). Ou seja o seu intuito é garantir direitos de exploração – ou proteção – dos recursos existentes nessa área.
Um ano antes de Portugal submeter a sua Proposta de Extensão da Plataforma Continental à CLPC (2009), a empresa Nautilus Minerals Inc. apresentou junto da Secretaria Regional do Mar, Ciência e Tecnologia, um pedido de prospeção e pesquisa de minerais em seis pontos do Mar dos Açores. Este pedido caducou face à legislação aplicável e à regulamentação existente e posteriormente, o Governo dos Açores criou em 2011 o Parque Marinho dos Açores, proibindo qualquer atividade extrativa, englobando na sua rede de áreas marinhas protegidas (AMPs) diversos tipos de ecossistemas distintos, tais como fontes hidrotermais, bancos e montes submarinos. Num segundo momento, a Nautilus Minerals Inc. submete em 2012, cinco pedidos para mineração em mar profundo, envolvendo prospeção e exploração em áreas periféricas ao Parque Marinho dos Açores. O Governo dos Açores no mesmo ano decide legislar o aproveitamento de bens naturais existentes na crosta terrestre (excluindo hidrocarbonetos, gás natural e hidratos de metano), sendo esta legislação considerada inconstitucional em 2014 pelo Tribunal Constitucional Português.
Entre 2014 e 2015, o Governo Português ter-se-á apercebido do conflito entre o Parque Marinho dos Açores e as solicitações da Nautilus Minerals Inc.. Assim, o parlamento nacional implementou uma diretiva quadro que reduz as competências das regiões autónomas para aprovar planos de ordenamento do território respeitantes aos usos e atividades e limita as competências regionais para lá das 200 milhas. Posteriormente, o governo central Português aprovou um novo decreto lei estabelecendo que quaisquer novas propostas por parte das regiões autónomas para implementar AMPs dentro das 200 milhas requerem consentimento prévio do governo central, devendo este ser consultado. Estabelece ainda que o governo central possui autoridade para não incluir ou excluir, total ou parcialmente, as AMPs designadas anteriormente ao decreto lei, do plano nacional de ordenamento. O governo regional dos Açores tentou, sem sucesso, através de pedidos junto do Tribunal Constitucional, contornar estes decretos lei. Após a alteração do governo central em novembro de 2015 as conversações continuaram, perdendo o governo dos Açores o foco e mantendo a não cooperação para com o plano de ordenamento nacional. Ainda assim importa ressalvar que o estatuto político administrativo do governo dos Açores confere totais competências ambientais ao governo regional, após as 200 milhas da ZEE.
“… o mal advém do menosprezo calculista português sobre a importância financeira dos Açores nos cofres de São Bento.A lista seria longa, se mencionasse os acordos internacionais firmados pelo governo central, tendo como moeda de troca os interesses diretos e indiretos dos Açores, ou benefícios usufruídos pelo governo central, sem qualquer medida compensatória à Autonomia Açoreana.”
José Soares*
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