“Os diálogos filosóficos, intercalados por uma série de incidentes que relatam acontecimentos na Europa da época, será o que de mais interessante e válido poderá levar o leitor a tentar entender o que o romancista chamará o “segredo” de Espinosa.”
Será pela mão de Rodrigo dos Santos que nos abeiramos de Bento Espinosa (1632- 1677) pois toda uma ficção indispensável rodeia a explanação do que pretende ser esta filosofia. “O segredo de Espinosa”. Nascido em Amesterdão, numa comunidade judaica da qual será expulso aos 23 anos por heresia.
O cenário peca pelas inconsistências e recursos ao romanesco, do qual se lamenta usar excessivamente (Notas). Estamos no começo da Modernidade com toda a revolução religiosa, mental e política.
Os diálogos filosóficos, intercalados por uma série de incidentes que relatam acontecimentos na Europa da época, será o que de mais interessante e válido poderá levar o leitor a tentar entender o que o romancista chamará o “segredo” de Espinosa. Sem uma ficção que nos prenda, leva-nos a um panteísmo (Deus ou Natureza) em grande parte centrado na interpretação histórico-crítica da Bíblia. A busca da fé segue a busca da razão para todo o conhecimento.
Temos uma divisão clara da obra vagamente colorida e debilidade ficcional para tornar verosímil a sua vida simples e assim poder intercalar os diálogos que serão a parte mais real e séria. Assim se traduz parte do seu pensamento centrado na existência de Deus e numa busca de um conhecimento que fundamenta na razão. Ao longo da obra descreve-se como que o itinerário do seu pensamento que levará a uma conclusão deduzida por Rodrigues dos Santos e que não se encontrará na obra do filósofo de origem portuguesa.
De facto, Baruch ou Bento Espinosa viveu nos Países Baixos, centrando-se em Amesterdão, num tempo de grande tumulto de ideias, peste e guerras, não deixou elementos que confirmem qualquer afirmação acerca da sua vida. A não ser as suas dúvidas acerca do judaísmo ou de qualquer religião que lhe surgisse temos um pensamento, todo ele à roda da existência de Deus e da sua natureza, numa Metafísica que se desenrola a partir do cogito de Descartes. Uma série de dúvidas conduzem cedo demais a uma lógica que não segue senão como inferência o “Cogito” transformado num silogismo e perdendo a sua fundamentação intuitiva. Esta intuição cartesiana é transformada numa lógica dedutiva como será todo o pensamento de Espinosa.
A tese do panteísmo, curiosamente nunca é afirmada para dar lugar a uma Ética que coloca a razão como único caminho para o conhecimento de todas as coisas incluindo a Natureza e a ideia de Deus. As alusões às políticas de Maquiavel, do Leviatã de Hobbes ou Galileu irão defender a razão tanto para a governação como para qualquer conhecimento. Os debates com Leibniz servem para dar um paralelo entre o autor da “harmonia pré estabelecida” e uma ética que carece de fundamento. Por diversas vezes, o dualismo da razão e da experiência é uma dificuldade inultrapassável. Leibniz na sua “monadologia” defende com razões mais lógicas do que a que se encontra no “segredo” espiniosiano que o leitor procurará decifrar.
A trama não consegue aquele ritmo habitual de que se serve o romancista nas suas obras. O cenário apenas nos dá acontecimentos imaginários e uma série de problemas entre as confissões professadas por judeus, calvinistas, católicos e outras religiões centradas nas interpretações da Bíblia. Em todas as religiões, Espinosa só encontraria o medo levado por superstições elevadas a religiões sem aquela razão que teria de dominar todo o conhecimento. O risco do ateísmo é a sombra que perpassa no seu pensamento. Só o conhecimento racional da Natureza levaria inevitavelmente à existência de Deus. Não pode haver senão uma causa incausada, um Deus que é imanente à razão e esta conhecerá a verdade apenas através da dedução. Sem a intuição do cogito toda a Ética deste filósofo é uma inferência que termina sem encontrar solução que a fundamente. Por isso, aparece a obra de Descartes, como os leigos a conhecem, intitulada apenas Discurso do Método sem aceitar que a pretensão cartesiana é a desse discurso ser para bem dirigir a razão e encontrar a verdade nas ciências. Aqui encontramos a noção da possibilidade de uma ciência universal.
Desvendado o “segredo” de Espinosa encontramos a virtude que não se fundamenta. É uma felicidade “racional” quase estóica. A Ética falha dado que é pelo sentimento traduzido em Alegria que concluiria todo o seu itinerário. Na verdade, voltamos a uma visão de São Francisco de Assis acerca da existência. Afinalos ensinamentos dados a Frei Leão serão basicamente uma aceitação total da Natureza tal como a vivemos: Se cheia de fome e frio da noite, bater e chamar a uma porta que nunca se abre, se entender que força que é vencer-me a mim mesmo, talvez aí, encontre a perfeita alegria. A profundidade da sabedoria tão humilde e humana daquela forma existencial obriga a ver, uma alegria nova, pelo lado de dentro o que tenta compreender por fora. A felicidade dar-se-á pelo amor a Deus e não pelo conhecimento.
Falta a Espinosa um lado humano pois a sua ética é um caminho puramente geométrico e matemático ao ponto de excluir o humano e a existência de Deus. A noção de causa efeito tem o espaço e a temporalidade como dados sólidos que a ciência irá resolver. Estas noções de espaço e de tempo transformaram-se e o lugar do Homem no Universo continua a ser um paradoxo e um fenómeno que altera qualquer harmonia sem uma razão transcendente para além dos limites das deduções lógicas.
A ignorância não se pode transformar em alegria, como alega Rodrigues dos Santos, sem uma razão que parte da intuição sem necessidade de dedução. A virtude não pode ser racional. De Aristóteles e a eudemónia até hoje não se pode postular da razão uma fundamentação de moral existencial.
O “erro” de Espinosa passando da razão para o existencialismo humano é a prova do insucesso de todo itinerário da Ética que termina num dualismo insustentável. Ser imanente à Natureza foi o panteísmo em que caiu. O Mal e o Bem desaparecem pela inferência das causas e efeitos porque o que nos parece bem ou mal não passam de formas de ver os acontecimentos. As notas são excessivamente amplas sem a sua devida explanação e colocam Espinosa em todos os racionalismos e existencialistas por citações retiradas do seu real contexto.
Como exercício mental, com um longo diálogo entre diversos filósofos, é a única forma de entender as justificações do romancista, mais uma vez com uma tese que tem como base a ideia de Deus.
Lúcia Simas