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A burocracia da razão indolente: Caso falta de professores nas escolas portuguesas

“A turbulência e caos em que hoje se vive nas escolas portuguesas exigem que, mais do que a contratação de professores profissionalizados, precisamos fundamentalmente de professores motivados para ensinar.”

Os debates em torno da falta de professores nas escolas portuguesas, não são novos, têm sido recorrentes ao longo de décadas e com tendência para se complexificar no futuro.
Como dizia o professor Boaventura de Sousa Santos, a complexidade para ser desvelada tem de ser interpelada de maneira simples, pois, são as questões simples aquelas que, por serem desarmantemente transparentes, permitem ver melhor qual é a problemática dominante do nosso tempo (BSS, 2001). É neste sentido que formulo as seguintes questões:

1º. Portugal tem mesmo falta de professores ou há uma burocracia fruto da razão indolente que tem desperdiçado experiências?
Eu penso que as dificuldades que as escolas têm encontrado na contratação de professores, sobretudo, no âmbito da oferta de escolas, tem a ver fundamentalmente com a subserviência na gestão dos recursos humanos por parte das direções de escolas, face a burocracia da razão indolente, refletida nos variadíssimos despachos emanados do Ministério da Educação que têm chegados às escolas visando a regulação da contratação de professores.
A burocracia da razão indolente é o paradigma dominante no sistema de ensino em Portugal e, tem tido um grande impacto na tomada de decisões, quer a nível ministerial quer a nível das direções que gerem as escolas e os seus recursos. A burocracia da razão indolente está sempre presente quando os critérios de seleção e contratação de professores, que quase sempre obedecem “lógicas” muito estreitas, excludentes e preconceituosas, se sobrepõem aos critérios de seleção assentes em “lógicas” de maior elasticidade, de emancipação, inclusão, interdisciplinaridade e multidisciplinaridade.
Estas recorrentes produções de disfunções estruturais por parte da burocracia da razão indolente nas escolas, frutos de uma perspetiva conservadora, paternalista, arcaica e da monocultura de “purismo, tem empurrado milhares de professores com elevadas qualificações técnica e científica, embora não profissionalizados, ou para o desemprego ou para a desistência de funções docente, enquanto milhares de alunos continuam sem aulas e sem professores, portanto, é um paradigma cuja à natureza intrínseca visa desperdiçar recursos e experiencias, neste sentido é urgente combate-lo, para que as escolas possam ser de facto um instrumento de emancipação social e não da divisão da sociedade. O combate a burocracia da razão indolente, só será possível quando as direções de escolas entrarem num processo de “descolonização” cognitiva, isto é, quando começarem a desenvolver um pensamento crítico e não submisso, porque todo o pensamento crítico é centrífugo e subversivo na medida em que visa criar a desfamiliarização em relação ao que está estabelecido (BSS, 2000). Do ponto de vista prático, devem ter a capacidade de repensar e adaptar os despachos ministeriais em função das necessidades, das especificidades e das singularidades pedagógicas e didáticas das suas comunidades, a fim de contratar docentes sem estar condicionadas pelos despachos do Ministério da Educação.

a). Facto:
Se uma escola tiver falta de professores das disciplinas, como História e Geografia, não se pode coibir de contratar sociólogos para substituir os professores em falta, só porque o despacho limita esta contratação. As direções de escolas têm que se atualizar na matéria de competências epistemológicas e interdisciplinares para perceber que alguns diplomados, como sociólogos também podem lecionar estas disciplinas e com muita qualidade didática e pedagógica. E por esta via, impedir que milhares de alunos passem administrativamente de classe porque não têm professores.

2- Qual é o papel dos sindicatos?
Os sindicatos de professores, enquanto associações voluntárias, de natureza permanente, visando defender os interesses dos seus associados e não só, também têm sido complacentes, por um lado, na eternização do arbitrário, por outro lado, na promoção da burocracia da razão indolente:
1º. Têm feito resistências fragmentadas, desarticuladas e na produção de incertezas e desconfianças nas famílias;
2º. Os sindicatos ao invés de utilizar a rua como espaço sagrado de resistência e lutas articuladas, onde se pode dar voz a quem não a tem, transformaram-na num espaço de desfile de vaidades dos seus líderes, num ringue, onde diferentes sindicatos competem pelo poder;
3º. Os sindicatos não têm competência científicas para aferir com autoridade e objetividade técnica, as competências didáticas e pedagógicas dos diplomados com habilitações próprias que queiram ingressar no ensino. Até porque os professores ditos profissionalizados e com maior antiguidade nas escolas, têm que se atualizar em termos técnicos, metodológicos e epistemológicos, para lidarem da melhor forma com os novos desafios da globalização, das migrações e multiculturalidade;
4º. Nos últimos anos, os sindicatos dos professores têm endurecido os seus discursos, sempre quando se anunciam medidas conjunturais para a resolver o problema da falta de professores, nomeadamente na contratação de professores com habilitações próprias, estes anúncios são engolidos por críticas tecnicamente vazias de objetividade, por parte dos líderes sindicais. Estas críticas ou posições extremas, são sempre alicerçadas numa racionalidade de opostos inconciliáveis, isto é, uns são professores “puros” outros são impuros, entre os profissionalizados mesmo com fracas habilitações académicas e os de habilitações próprias mesmo quando estes são detentores de um grau de mestre ou doutoramento.

Ora, hoje somos testemunhos de um tempo em que é necessário que o nosso pensamento seja simultaneamente igual a este tempo que é realmente complexo (BSS, 2001).
A turbulência e caos em que hoje se vive nas escolas portuguesas exigem que, mais do que a contratação de professores profissionalizados, precisamos fundamentalmente de professores motivados para ensinar. A questão da profissionalização não pode ser um fim em si mesmo, é um processo de aproximações didáticas e epistemológicas sucessivas, através da prática letiva e do contacto vivencial com à comunidade.

Hector Costa*

*Professor e Investigador
Sociólogo pela Universidade de Coimbra

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