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Homens que odeiam o Público (I): Miguel Albuquerque

Imaginemos uma mulher, sentada solitariamente numa secretária, escondida num escritório sombrio, do primeiro andar de uma fábrica onde só ela trabalha. Tudo o resto são moscas e maquinarias. A mulher remexe os dedos, ansiosamente, sem saber bem o que fazer, porque ninguém a deixa trabalhar, nem sequer lhe remetem papeladas irrelevantes para fazer de conta ou mantê-la minimamente ocupada. Está dependente de um grupo de chefias que moram lá longe e a odeiam, porque ela teve o desplante de criticar alguma estratégia do seu governo e desejar algo de melhor para a sua sociedade.
É essa a realidade de muitas pessoas que trabalham na administração pública e que uma recente reportagem do “Público” veio dar a conhecer ao país.
No dia 13 de Outubro, a investigação de Ana Cristina Pereira, denunciou uma série de casos verdadeiramente assustadores, que ocorrem no arquipélago da Madeira. Para os mais distraídos, comecemos por recordar que o PSD é o principal partido responsável pela governação daquelas ilhas e que o é há quase cinquenta anos, o que significa que, entre Jardim e Albuquerque, o poder vigente, da cor da laranja, domina as madeirenses e os madeirenses, há mais tempo que durou o próprio Estado Novo.
Claro que há quem diga que os tempos são outros, e, que pelo menos em teoria, respiramos ares de liberdade e globalização. Ninguém quer acreditar que seja possível criar um regime autoritário dentro das nossas fronteiras, e recusamos a narrativa de que há um controlo das massas e uma aplicação direta das políticas e estratégias de um partido político único. Mas não é bem verdade. Nem lá, nem cá.
A reportagem do “Público” traz a terreiro uma verdade que muita gente conhece, e que não é exclusiva da Madeira, mas parece ser bandeira do PSD, em todos os seus graus e qualidades. Há várias décadas que aquele partido, e os seus satélites, se batem pela sistemática destruição da administração pública, através de artimanhas, pressões e estratagemas de corredor, ou mesmo com assédios velados, devidamente escudados em robustos gabinetes jurídicos que estrangulam qualquer tentativa de insubmissão.
No caso madeirense, a mensagem que passa é a de que qualquer pessoa que tenha o atrevimento de fazer parte de um partido adversário, ou de se juntar a uma lista opositora em algum ato eleitoral, ou tão pouco de ter uma ideia própria, dissonante, estará para sempre queimada aos olhos do Grande Pai Albuquerque e respetivos tentáculos longos da sua família.
Os quadros políticos são treinados em empresas, instituições e associações juvenis, devidamente comandadas por membros do PSD, e direcionadas para a formação de novas chefias, a serem coaptadas para a administração pública regional, que vai engordando no topo enquanto enfraquece e envelhece as bases.
Quem questiona o regime, vai para a prateleira. É certo que não é procedimento exclusivo do PSD, mas também é evidente que é uma imagem que tendemos a associar a regimes autoritários e que visam desagregar qualquer tentativa de racionalizar a eficácia e eficiência da função pública, no cumprimento dos objetivos para que foi criada. Há uma mensagem clara que chega da Madeira. Uma mensagem que se fortalece nos tratados de amizade com o presidente do governo açoriano, seu contemporâneo. E é uma mensagem inequívoca: ou estão connosco, ou o vosso trabalho no setor público acabou.
Não há despedimentos em massa, porque a legislação felizmente não o permite. Mas toda a gente sabe que não é preciso despedir, para destruir. Para o efeito, basta afastar as pessoas que ocupem cargos de chefia técnica e que se destaquem pelo seu trabalho, para dar lugar a gente que vai por nomeação política, para cumprir ordens alheias ao serviço público e manter serviços mínimos.
É assim que se encontra a Madeira. Qualquer semelhança com a realidade nos Açores, não é mera coincidência.
Albuquerque queixa-se da sua administração pública. Deseja-a mais leve, com menor peso nas finanças regionais e resultados mais eficazes. Mas afasta quem sabe trabalhar e dá lugar a quem o apoia cegamente. É um presidente em busca de um trono imaginário, responsável pela continuidade da decadência de um arquipélago entregue ao setor privado. O turismo sem regras cresce, as pessoas passam cada vez mais necessidades e são os grandes empresários que norteiam as estratégias para o futuro. Aliás, é por isso mesmo que foi alvo de acusações por parte do Ministério Público. E é, novamente, uma realidade que conhecemos bem, aqui nos Açores.
Qualquer voz dissonante, ou manifesto que se desalinhe da narrativa, é pessoa varrida para um gabinete obscuro, onde vai passar o resto da sua vida em solidão, sofrendo psicologicamente os assédios laborais.
As mulheres, como sempre, são as que mais sofrem a realidade, pois até mesmo as que inconsequentemente continuam a seguir a linha do partido único acabam vítimas de provocações machistas.
Na Madeira, a administração pública é o inimigo. Albuquerque assim o deseja, para se manter rodeado de coros favoráveis à sua autoestima, perpetuando o velho regime de
Jardim. Até as empresas são as mesmas. É um exemplo para o PSD-Açores, que segue o modelo, tal como agora se vai começando a fazer no resto do país. São muitos os casos e casinhos por estes lados. O “Público” recordou-nos que também está na altura de voltar a dar voz a quem está a sofrer pela mão de Bolieiro e dos seus governantes.
Para a semana, é deles e desses ódios que aqui se vai falar.

Alexandra Manes

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