Há quem diga que todas as ilhas têm os seus mistérios. E apresentando-se elas em grupo serão mistérios a dobrar, dizemos nós.
Isto para vos alertar quanto ao facto de nestas nossas nove ilhas açorianas existirem mistérios nunca devidamente esmiuçados. E acrescentar que o monumento da nossa Memória de Angra foi o responsável para que, de um momento para o outro, tudo mudasse e o mistério da invisibilidade que perdurava há séculos, começasse a dissipar-se.
Sabemos que com o sismo de 80 a Memória sofreu estragos, ficando decapitada e cheia de fendas. Tão frágil aos olhos de todos. Iria alguma daquelas paredes ceder? Mas a única estranheza registada foi alguns maníacos dizerem que se ouviam vozes, vozes indistintas vindas do interior do monumento. Ora, parvoíces. O sismo tinha posto toda a gente fora de si e ninguém dizia coisa com coisa. A Memória foi reconstruida como todos os outros edifícios da cidade semi-destruida. E as vozes deixaram de se ouvir.
A vida retomou o seu ritmo de normalidades e nunca mais ninguém ousou dizer que dentro da Memória pudessem viver pessoas e que às vezes as vozes delas até se podiam ouvir.
Só que um dia na Ilha Terceira, alguém com o nome de Serafim Vieira Sebastião foi tomado de uma agitação inconformada e resolveu investigar por conta própria aquilo que ninguém ousara até ali. E que ele trazia atravessado na garganta. O peso de algo não resolvido e que às vezes até lhe tirava o sono. Este Serafim V. S. era o mesmo que em 1968 tinha dado testemunho de um objeto estranho nos céus a aproximar-se do paiol que ele guardava na base das Lajes. Ainda nos lembramos que ele teve de ser internado logo no hospital de Angra, pois que não falava e ouvia muito mal. Claro que de manhã teve alta e depois continuou a cumprir o quotidiano. Nunca se esquecendo, porém, do que viu e sentiu. Pois ali junto da Memória, o mesmo arrepio lhe arrepanhou os interiores quando captou o som daquelas vozes a que mais ninguém parecia dar crédito. Não, doido não estava. Apenas curioso ( e só queria evitar que fosse acontecer o mesmo que na base das Lajes em que os seguranças portugueses eram mandados sair do local de aparecimento dos tais corpos estranhos e substituidos por militares armados e sigilosos).
E fez o que tinha de ser feito: numa tarde soalheira introduziu-se á socapa no recinto já fechado ao público e deu várias voltas em redor do monumento a procurar indícios de fraquezas na pedra pintada. Mas nada . Quanto tempo iria levar abrir um buraco numa delas?
Mas tinha valido a pena, oh se tinha.
- Até que enfim, alguém do mundo aí de fora!
O interior da Memória estava mesmo ocupado por gente, gente que falava como ele! O espaço era pequeno, mas estavam sempre a chegar mais pessoas. - Pequenote o homem, não?, isto constatou um dos seres agigantados, que depois veio a saber tratar-se de um atlante.
- Nem todos podem ser herdeiros da velha Atlântida.
- Este nem pode é com o susto que carrega!
Veio em seu socorro uma dama, bela como as mais belas, que lhe pega na mão e com ele vai saindo para um espaço mais amplo, igualmente povoado e animado: Foste muito corajoso, irmão, isto já estava a ficar um tanto monótono! Eu explico-te quem somos… só para tomares pé e te sentires em segurança… - Curiosidade acesa e intensa, uma curiosidade próxima do desejo, era o que via nos olhos das mulheres que o rodeavam. Para elas ser “pequenote” não parecia atributo pouco lisonjeiro, não senhor.
Mas tinha de ser um dos gigantes a dar o tom : Ouve lá oh Irmão. Desconhecido, é o que tu és. Não sei o que te trará por cá, mas imagino que também és um daqueles que acreditam no desaparecimento total da Atlântida. Serás um discipulo de Platão ou de Timeu, fiel a alegorias? Não?… Talvez as teses de F. Bacon e de Thomas More te entusiasmem mais… .Para te esclarecer aqui me tens na tua frente, um sobrevivente daquele sismo horroroso que submergiu a enorme ilha que então era a nossa Atlântida. Agora vivemos no fundo dos mares e nos corredores subterrâneos da terra. A sobrevivência a isso nos obriga. Somos fortes, nascemos fortes. Mas que não se diga de um atlante que ele recebe mal um humano que o vem visitar.
O distanciamento altivo dos atlantes dispensava-se, é o que pensa Serafim com um certo desconforto, mas ao menos ficou a saber com o que podia contar. E as mulheres? Seriam também elas atlantes? Ali tratavam-no por irmão. Em que irmandade teria vindo cair?
Deixou-se levar. E começou também a tratá-los por irmãos e irmãs e a comer da comida que lhe ofereciam. Nunca comera algas tão saborosas. Dos outros acepipes, tão diferentes daquilo a que estava habituado, nem lhes sabia os nomes. Tudo fazia parte do desconhecido que o rodeava. - Ah, se não tivesse acontecido aquele terramoto medonho que nos destruiu a quase todos, como o mundo seria diferente!
- Quem te ouça estará a pensar que, tal como Hitler, defendes a pureza da raça, irmão… Olha onde isso nos levou!
- Existiria , sim, um mundo muito melhor sem excluir ninguém. E não haveria guerras, irmão. A não ser para nos defenderemos se nos atacassem.
Sonhar faz bem, irmão, era o que Serafim lhe apetecia dizer ao bem falante do gigante, mas não ousou. - Felizmente ainda deixámos por aí uns respingos da natureza atlanta.
- Oh sim, os judeus podem considerar-se esses respingos da natureza atlanta.
- Vê lá como falas, atalha uma das mulheres, atualmente eles têm meio mundo, digo, o mundo quase todo contra si e a defender a Palestina mais os terroristas do Hamas e do Hezzbolah..
- Bem, é verdade que eles às vezes são atrevidotes… Não concorda comigo , irmão?, assim arrastando para a conversa, o “irmão” invasor que não se pôde esquivar.
O nosso Serafim ainda hesita, atordoado, para logo dizer: - Caros irmãos, eu concordo com o Guterres quando ele diz que não se chegou àquele estado de coisas assim sem mais nem menos. Há que ter em conta a anterior política de expansão dos judeus. De expansão e de controle das regiões por eles ocupadas aos poucos.
- Sim, às vezes terão sido atrevidotes…., ouve-se a voz de alguém em concordância. E talvez também já fosse altura de parar, tendo em conta que já destruiram as principais cabeças do ataque provocatório.
- Não digo que não mas… Gosto sempre de olhar para o passado para firmar as minhas opiniões: a presença deles sempre trouxe muitos benefícios, pois ninguém ignora que era aos judeus que se recorria quando havia mazelas. Parece que nasciam sábios. Isto, para já não falar na habilidade para o negócio: eram eles que estavam sempre a emprestar dinheiro aos reis e que financiavam atividades lucrativas.
- Talvez se tivessem fixado em Angola, como ainda se pensou, não houvesse tantas guerras agora, tanta má vontade contra eles.
- Porquê? Achas que os africanos são mais pacíficos?
- Quanto a mim, o Médio oriente é um barril de pólvora. Mas, sobretudo: a religião é que tem sido o maior problema no relacionamento dos povos. Isso de fieis e infieis tem sido uma parvoíce das grandes.
Aqui, Serafim sente-se na obrigação de concluir: Oh sim, a religião tem minado a solidariedade entre os povos. - Por que será que não se aceita que há vários caminhos para chegar a Deus, digam-me?
E Simão teve que se conter para não bater palmas: que cabeças pensantes tinham as irmãs!
Mas as mulheres ali presentes, além de cabeça pensante, tinham-se a elas inteiras. Com as suas estórias de vida. Estranho era aquela irmandade estar tão bem informada acerca dos assuntos lá de fora. Logo eles que viviam em profundezas. Isto ia pensando Serafim, que de imediato encontrou resposta para tal, depois do que ouviu:
-… não foi o que o transporter das 11 difundiu, irmã. - Então não sabes, irmã, que o das 15 noticiava precisamente o oposto?
E como se apiedassem da ignorância solitária que era o nosso Serafim ,da cabeça aos pés, apressaram-se a esclarecê-lo: - Estamos a falar daquilo a que vocês vulgarmente chamam de ovnis, São eles que nos trazem notícias do planeta donde viemos.
E todos ouviram o grande Ahaaaaaa!! de Serafim. - A vida estava impossível lá. Só éramos valorizadas pela capacidade de ter filhos.
E por aí se ficam, como que acometidas de súbito incómodo que as impede de falar. - Fizeram vocês muito bem. Só se vive uma vez (por enquanto!), intervém com ar protetor um dos gigantes. Na nossa Atlântida sempre achámos que as mulheres não são anjos nem demónios. São seres humanos a que, aí por fora, costumes imbecis têm vindo a reduzir a uma semi-servidão..
- Ah, temos um historial ! O pior de tudo é sentirmos como a crueldade das leis civis se alia à crueldade da Natureza contra nós.
- Realmente! Para quê a dureza dessas leis se a Natureza já é bem cruel com as mulheres?
- Talvez fosse melhor não existirmos!
- Que ideia! Imagina só os homens a viverem sozinhos!
- Ia ser um mundo muito mais pobre, irmã.
- Sabem da última?, e é uma das que tinham vindo do tal planeta desconhecido : ouvi dizer que aqui no planeta Terra as mulheres carregam com a culpa de serem umas Evas-tentadoras que seduziram um pobre de um Adão, provocando assim a queda da humanidade..
- Convenhamos que a atitude deste Adão é muito pouco lisonjeira para nós, homens. Mesmo para os pequenotes… Deixarem uma mulher arcar sozinha com uma responsabilidade destas!
- Que vergonha!!
É melhor que deixem o nosso Adão em paz, vai dizendo Serafim com os seus botões. Raio de gente que sabe tudo a nosso respeito! - Irmãos, as culturas do abuso e do patriarcado vigoram há muitos anos, mas em breve deixarão de fazer sentido, como sabemos. Robôs de diferentes funcionalidades estão a receber os últimos retoques.
- A I. A. é um assombro: está a ser capaz de criar robôs capazes de conversar sobre livros, música, política e até contar anedotas… Também a carne animal já está ser substituida por carne vegana :a nossa relação com os animais, com o planeta e com a alimentação está prestes a mudar. Todas as pessoas merecem ser felizes e é para lá que caminhamos.
Tamanho entusiasmo não sei porquê, refila Serafim só para si. Isto de ter a I. A. na iminência de substituir o ser humano é lá coisa que se aceite facilmente. Apetece mas é perguntar : Será ela capaz de resolver as nossas angústias existenciais? Os nossos medos? Os nossos desvarios? Só que apenas ousa dizer : De certeza que vamos perder o controle da nossa civilização.
Mas ninguém lhe liga. - Venha, vamos mostrar-lhe as ramificações deste nosso mundo subterrâneo. E deixe-se de coisas : olhe que não iremos perder grande coisa.
- Será que… vamos adquirir mais um irmão?, é o que a endiabrada de uma “irmã” lhe segreda.
Maria Luísa Soares *
*Escritora