Neste início de ano, é do domínio público que vai acontecer uma pequena debandada no Governo Regional, nomeadamente de alguns diretores regionais e outros cargos de relevo. Estas saídas não são meros acontecimentos isolados ou fruto apenas de circunstâncias pessoais, apesar de ser essa a habitual explicação oficial. Representam, acima de tudo, um sinal inequívoco de desacordo com a direção tomada por esta solução governativa, em particular em relação às ações políticas da liderança tricéfala desta coligação. Este fenómeno, que poderia ser visto apenas como um obstáculo à estabilidade governativa, deve ser entendido como um ato de coragem e uma oportunidade para reflexão e mudança. O mais preocupante, é que, aparentemente, sairão alguns dos melhores, sem que seja evidente a capacidade de os substituir por igual valor. Teremos, assim, em 2025, um ano fundamental para os Açores, um governo mais fraco.
Num contexto político em que, muitas vezes, prevalece a tentação de silêncio e acomodação, essas saídas são um exemplo raro de integridade e inquietação. Não é fácil abdicar de posições de poder e de influência, mas a opção pessoal de muitos destes que agora saem resulta do não comprometerem os seus princípios, como também de algum taticismo político. Digamos, que o barco está em risco. Ao saírem, estão a dizer, de forma clara e sem ambiguidades, que não compactuam com o rumo seguido. Este ato é digno de elogio e merece respeito. São vozes que, mesmo em silêncio, obrigam a questionar a governação atual e que terão de ser tidas em conta no futuro. A relevância política, por vezes, resulta de ter a coragem de dizer e fazer diferente, mesmo que isso implique sair. É desta estirpe de políticos que os Açores precisam.
Porém, estas saídas também expõem problemas estruturais no Governo Regional, em particular da sua orgânica e de como ela foi moldada aos interesses dos partidos que constituem esta coligação. Um exemplo gritante é a atual Secretaria Regional das Finanças, Planeamento e Administração Pública, que concentra demasiadas áreas fundamentais sob a mesma estrutura. Esta acumulação de responsabilidades tem demonstrado ser contraproducente, comprometendo tanto a eficiência administrativa como a capacidade de criar e implementar políticas estratégicas em áreas cruciais. Qualquer empresário que tenha de lidar com a DREC, por exemplo, sabe muito bem que esse organismo está longe de cumprir os seus propósitos e como necessita de urgente atenção. A recente reformulação da orgânica não passou de um paliativo, que visou apenas colmatar algumas incapacidades particulares.
A demasiada concentração de responsabilidades numa mesma secretaria dificulta a definição de prioridades claras e a dedicação necessária a áreas específicas, como também implica a conjugação de interesses contraditórios sob a mesma tutela. O foco no preocupante estado das contas regionais é, por vezes, incompatível com o propósito de promover o investimento e o fortalecimento do tecido empresarial da região. É evidente que esta abordagem precisa de ser revista, sob pena de continuarmos a comprometer o desenvolvimento económico e social da nossa região, ainda mais quando tanto as finanças regionais como o apoio ao investimento, a par da execução do PRR, serão os assuntos fundamentais em 2025. Seria importante a separação da atual Secretaria Regional das Finanças, Planeamento e Administração Pública em duas secretarias distintas, com funções mais bem definidas e focadas: Uma Secretaria Regional das Finanças: Seria responsável pela gestão orçamental, fiscal e financeira, garantindo uma utilização eficiente e transparente dos recursos regionais. Este foco permitiria uma gestão mais rigorosa e adaptada às necessidades financeiras da região. Seria determinante nas negociações da revisão da lei de finanças regionais, prometida para o primeiro trimestre do ano.
Uma Secretaria Regional da Economia Focada exclusivamente na promoção de investimentos e no desenvolvimento económico, incluindo a gestão de programas de incentivos ao investimento, o apoio às empresas locais e a captação de investimento externo. Esta divisão permitiria que a Economia tivesse uma abordagem mais direcionada e proativa, tornando-se o motor de crescimento que os Açores tanto necessitam. A necessidade gritante de atração de investimento externo para a região deveria ser um dos principais desígnios desta secretaria. O espaço vazio deixado após a extinção da SDEA tarda em ser ocupado no que diz respeito às suas importantes funções, que estão praticamente órfãs.
Esta divisão, apenas um exemplo, não é apenas uma questão de estrutura administrativa, mas sim uma forma de garantir que as duas áreas, ambas vitais para o futuro da nossa região, recebam a atenção e o investimento necessários. Ambas devem ser lideradas por competências reconhecidas, tanto políticas como técnicas. Separar estas funções permitiria criar um governo mais forte, ágil e dedicado às necessidades das empresas e dos Açorianos.
Estas saídas do Governo Regional não devem ser ignoradas. Devem, sim, servir como um momento de reflexão e como um alerta para a necessidade urgente de reformar e melhorar a forma como governamos a nossa região. O sucesso de um governo depende tanto das pessoas que o integram como das estruturas que o suportam, mas também das lideranças que têm ao leme.
Os Açores merecem um governo mais eficiente, mais transparente e mais comprometido com o desenvolvimento da região. Elogiemos aqueles que, ao sair, também comprovam as dificuldades deste governo. Estes gestos lembram que, mesmo em sistemas complexos e muitas vezes inertes, a mudança é possível, mas exige coragem e determinação. Que as suas saídas não sejam apenas ecos momentâneos, mas catalisadores para uma transformação estrutural e ética no modo como somos governados. Assim queiram os partidos da coligação. A mudança é difícil, mas é indispensável, e a sua dificuldade não deve ser desculpa para a inércia, ou pior, para a incompetência. Os Açores merecem mais e melhor.
André Silveira