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Uma semana malapata

(Malapata é uma expressão espanhola e significa tendência para circunstâncias maioritariamente negativas; má sorte; infortúnio).

Parece que esta foi, de facto, uma semana de malapata e, acima de tudo, de falta de decência na esfera política internacional, nacional e regional. Entre escândalos que colocam em causa a integridade dos representantes públicos, decisões que contrariam os valores de progresso e escolhas governamentais que ignoram as verdadeiras prioridades da população.
À frente na tomada de posse de Trump e do seu aliado Elon Musk, a “nata” dos gigantes tecnológicos aplaudia como se estivesse numa conferência VIP, onde a inovação deu lugar ao culto de personalidades que se consideram maiores do que as instituições e a democracia em si.
A mais vergonhosa das polémicas envolve o Chega e o deputado nacional eleito pelo círculo eleitoral dos Açores, Miguel Arruda, acusado de furtar malas nos aeroportos de Lisboa e Ponta Delgada. Para além de ser uma humilhação nacional, o caso sugere a possibilidade de cleptomania, uma condição do foro mental. Este tipo de condição exige acompanhamento psiquiátrico e, quem sabe, uma baixa prolongada – algo que, ironicamente, o partido do próprio deputado rotula de “fraude” ou de pura preguiça para trabalhar. Contudo, reduzir o problema apenas à saúde mental do deputado seria ignorar os sinais muito mais graves que este já havia demonstrado anteriormente.
Miguel Arruda, já como deputado nacional, foi fotografado, em setembro de 2024, numa manifestação do Chega contra a imigração descontrolada, a fazer gestos obscenos ao lado de elementos ligados a fações neonazis, alinhando-se com ideais de ódio e intolerância incompatíveis com a democracia. Além disso, defendeu publicamente Mário Machado, líder neonazi condenado a prisão efetiva por incitar à violação de mulheres de esquerda, um ato que afronta os direitos humanos e a dignidade feminina por razões ideológicas.
Estes dois episódios, por si só, bastariam para justificar um repúdio público imediato. No entanto, o silêncio da sociedade civil, dos partidos políticos em geral e da comunicação social foi ensurdecedor, evidenciando uma preocupante normalização de comportamentos inaceitáveis no espaço público. E não, isto não se trata de wokismo — trata-se de pura decência.
É importante sublinhar, também, a falta de coerência política: enquanto André Ventura retirou a confiança política a Miguel Arruda, José Pacheco, líder do Chega nos Açores, manteve-a. Esta atitude revela muito sobre a pobre retórica contra a corrupção e os “bandidos socialistas”, mas revela sobretudo os valores do principal parceiro deste governo regional, que aceitou a mão estendida de um partido de caráter altamente questionável. Recorde-se que o PSD-Açores foi o único partido a estender a mão ao Chega, formando uma coligação que tem demonstrado ser profundamente prejudicial para a população em múltiplos aspetos, sobretudo nas áreas da saúde pública e, em particular, da saúde mental.
Noutra frente política, a polémica que envolve o Bloco de Esquerda, marcada pelo despedimento de mães trabalhadoras, também levanta preocupações. É lamentável que um partido que se afirma defensor dos direitos laborais e feministas tenha permitido que a sua narrativa interna seja dominada por discursos moralistas e justicialistas. A tentativa de abafar o assunto e rotular a controvérsia como uma “cabala” da comunicação social — curiosamente, um discurso semelhante ao do Chega quando pressionado — apenas reforça as fragilidades internas da organização. A crise de confiança dentro do partido, a perda de militantes e votos, e o alinhamento cego de algumas das suas figuras mais destacadas demonstram uma crise sem precedentes no Bloco de Esquerda. Quero expressar publicamente a minha solidariedade com estas mães trabalhadoras e com todas as mulheres que, mesmo não sendo despedidas, sentem-se obrigadas a trabalhar durante a licença de maternidade, por medo de sofrerem o mesmo destino.
Sobre o Fórum Taurino que terá lugar em Angra do Heroísmo, uma cidade que parece querer afirmar-se como um centro de referência na tauromaquia, é relevante que a sociedade civil considere o impacto deste posicionamento num contexto global, que ultrapassa interesses locais. Permanece, também, a incógnita sobre a dimensão dos apoios públicos destinados a este evento, aguardando-se a devida publicação no jornal oficial. Este facto assume uma particular importância quando lembramos que, nos últimos quatro anos, o governo regional tem vindo a desconsiderar sistematicamente os agentes culturais, assim como outros sectores essenciais, resultando numa espécie de “fome institucional” que tem fragilizado a economia regional. Enquanto os agentes culturais, as filarmónicas e os bailinhos de Carnaval, verdadeiros pilares da cultura açoriana, batalham pela sua continuidade, decisões como esta colocam em causa as prioridades e a visão estratégica do executivo regional.

Daniela Silveira

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