“Felizmente, há meio século, o regime ditatorial foi deposto. Todavia, deixou sequelas que ainda hoje persistem e que se traduzem na fraca intervenção social e política de larga faixa da população.”
Sou do tempo em que a palavra “política” era termo proscrito da linguagem comum e só o compêndio/livro único “Princípios Fundamentais da Organização Política e Administrativa da Nação” de A. Martins Afonso, destinado ao 3.º ciclo do Ensino Liceal, numerado e autenticado pelo Ministério da Educação Nacional, circulava entre os alunos com “as principais disposições da Constituição Política, do Estatuto do Trabalho Nacional, Código Administrativo, Lei Orgânica do Ultramar e Acordo Missionário.”
Os docentes que iam além do programa ou questionavam os objetivos políticos desses documentos eram considerados subversivos ou apodados de comunistas. Alguns foram expulsos do ensino, outros perseguidos e sujeitos a prisões arbitrárias.
Foi o tempo da ditadura que rescindiu as liberdades cívicas, formatou o modo de agir e de pensar dos cidadãos e negou o direito e o dever de participar e de ser eleito em atos eleitorais.
Felizmente, há meio século, o regime ditatorial foi deposto. Todavia, deixou sequelas que ainda hoje persistem e que se traduzem na fraca intervenção social e política de larga faixa da população.
Há ainda quem tema agir social e politicamente para não sofrer represálias veladas ou diretas que afetam as vidas pessoal e familiar.
A Constituição da República que alicerça o regime democrático, no seu artigo 48º salvaguarda “Os direitos, liberdades e garantias de participação política”, ao afirmar:
“1. Todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos.”
Este princípio da Lei Fundamental tem de ser levado a sério, não só pelo cidadão comum, mas pelos detentores de cargos políticos, qualquer que seja a escala do poder.
Foi com base neste pressuposto que ouvi, perplexo, as declarações da Secretária Regional da Saúde, Mónica Seidi, quando interrogada pela RTP-A sobre a criação de uma Unidade de Hemodinâmica no Hospital de Santo Espírito (HSE) da Ilha Terceira.
Cito as suas palavras: Sou Secretária Regional da Saúde e, como tal, não tenho de tomar posição. Essa é uma decisão política. É uma decisão do Governo Regional. Não me vou pronunciar mais sobre isso”.
A não tomada de posição a propósito do diferendo entre responsáveis clínicos do HDES e do HSE sobre a criação de mais uma Unidade de Hemodinâmica na Terceira que sirva parte da população açoriana e responda em casos de emergência, como aconteceu recentemente, é inaceitável pois compete em primeira instância a Mónica Seidi dirigir politicamente os serviços de saúde da Região.
Segundo o artº 90 do Estatuto Político Administrativo da RAA nesta matéria cabe à governante “Adoptar as medidas necessárias à promoção e desenvolvimento económico e social e à satisfação das necessidades colectivas regionais.”
É uma decisão política, como outras que são tomadas neste e noutros setores de atividade, embora em consonância com o Governo.
Este é um assunto polémico e controverso, pois mexe com interesses de classe e outras ordens, sempre difíceis de dirimir por se tratar das duas maiores ilhas.
De qualquer modo, devia ter sido dada uma simples explicação política, mais não fosse esta tão repetida: O Governo está a estudar o assunto e em tempo oportuno anunciará a sua decisão.
Lavar as mãos e deixar correr esta questão, cujos argumentos foram apresentados de forma respeitada, perceptível e aceitável pela opinião pública, não é a melhor atitude de um político, membro do Governo.
Há problemas que devem merecer da parte do executivo e dos políticos uma atenção especial. A saúde é um deles.
Na última visita estatutária à ilha do Pico, foi sugerida uma alteração na orgânica hospitalar, para se criar o Centro Hospitalar do Faial/Pico. Bolieiro aceitou a ideia. Desde então, porém, nada mais se soube. Será que o Governo está a estudar o assunto, ou já esqueceu a reivindicação dos picoenses?
A transparência e os compromissos políticos – pois é de POLÍTICA que se trata, tendo em vista o bem-comum – deve ser uma prática democrática permanente. Só assim os cidadãos acreditam que os representantes eleitos estão de boa-fé e são competentes para desempenhar os cargos que lhes foram confiados.
Em Política, chutar para canto, mesmo que seja uma pequena questão ou problema, é menosprezar o cargo que se exerce e os compromissos publicamente assumidos.
Os que assim procedem, mais dia, menos dia, são desconsiderados pelo Povo que os elegeu.
José Gabriel Ávila*
*Jornalista c.p.239 A
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