Nos anos 60 do século passado, um dos objetivos da Psicologia Comunitária foi desmistificar a ciência do comportamento humano para o público em geral. Hoje, como então, é uma tarefa que pretende incentivar a educação universal. Num mundo informado, a problemática da interação entre diferentes visões da realidade não será menos complexa, mas poderia facilitar o diálogo respeitoso e inteligente. É neste contexto que este artigo se insere.
A Psicologia Cultural estuda a influência da cultura no comportamento, na cognição e nas emoções, examinando como normas, valores e práticas dão forma aos modos em que as pessoas pensam e agem em várias situações, como na educação, saúde mental e relações sociais.
A Psicologia Cognitiva enfoca processos mentais, incluindo perceção, memória, pensamento, linguagem, resolução de problemas e tomada de decisões. Os psicólogos cognitivos investigam como adquirimos, processamos e utilizamos informações, além do funcionamento da memória e compreensão da linguagem.
A cognição abrange perceção, memória, linguagem e raciocínio. A Psicologia Cultural mostra que estes procedimentos se constituem no contexto sociocultural dos indivíduos. Por sua vez, a Psicologia Cognitiva reconhece que os processos mentais estão sempre inseridos em contextos específicos.
A cultura funciona como um filtro que organiza estes processos, criando esquemas mentais para interpretar o mundo. Na teoria do desenvolvimento sociocultural de Lev Vygotsky (1896-1934), uma perspetiva de influência marxista, funções mentais superiores como pensamento e memória são mediadas pela cultura e a linguagem. As crianças, por exemplo, aprendem a categorizar objetos e eventos com base nos valores atribuídos durante a socialização, os quais são influenciados por práticas culturais.
Alexander Luria (1902-1977), investigou como camponeses e indivíduos de culturas industrializadas organizam objetos no campo atencional. (Este termo descreve como a atenção é distribuída e focada nos elementos presentes enquanto outros são ignorados.) Luria encontrou diferenças baseadas em funções práticas dos camponeses, em contraste com categorias abstratas dos indivíduos de culturas industrializadas. A cultura influencia a cognição prática.
Richard Nisbett, em «The Geography of Thought: How Asians and Westerners Think Differently[…] and Why” (2003), documentou uma investigação internacional que ele liderou, confirmando que as diferenças culturais influenciam a cognição. Os resultados daquele trabalho revelaram que culturas individualistas, como no Ocidente, tendem a preferir o pensamento analítico. Os ocidentais prestam atenção aos objetos ou pessoas salientes, usando regras de lógica formal para entender o comportamento. Nas culturas coletivistas, como na China, favorece-se o pensamento holístico. Os chineses preferem ver e interpretar o mundo de forma desigual por uma ótica percetiva, examinando o todo em vez das suas partes. Edward Hall (1914-2009), em The Hidden Dimension (1966), aprofundou o conceito de proxémica, que se refere ao uso do espaço e aos efeitos que a densidade populacional tem no comportamento, comunicação e interação social. Por exemplo, Hall demonstrou que a perceção do espaço e a distância física que as pessoas mantêm entre si em diferentes contextos — espaços pessoais, sociais e públicos — varia entre culturas. Os falantes da língua guugu yimithirr, na Austrália, usam coordenadas geográficas como norte ou sul, em vez de direita ou esquerda.
A relação entre cultura e cognição também envolve emoções. Culturas diferentes valorizam e expressam emoções de maneiras distintas, afetando processos cognitivos. Shinobu Kitayama demonstrou que nas culturas coletivistas, como as do Japão, se confere importância a emoções como a vergonha. Nos EUA, porém, valorizam emoções ligadas à realização pessoal, como o orgulho.
Além da psicologia, outras disciplinas enriquecem o entendimento da relação entre cultura e cognição. Denise Park, estuda os efeitos do envelhecimento no cérebro, especialmente a memória e funções cognitivas. Em parceria com Patricia Reuter-Lorenz, Park sugere que o sistema nervoso central envelhecido compensa a perda funcional através do que se chama «neuroplasticidade». Quando algumas áreas do cérebro perdem eficiência, outras estruturas podem assumir novas funções, auxiliando o funcionamento geral. A plasticidade ajuda os idosos a realizar complexas atividades cognitivas.
A Antropologia Cognitiva complementa a psicologia ao investigar como práticas culturais específicas influenciam o pensamento. Jean Lave, desenvolveu a teoria da «Aprendizagem Situacional». Com Étienne Wenger, ela postula que a resolução de problemas em contextos práticos depende tanto de habilidades cognitivas como da situação cultural. Neste contexto, a aprendizagem ocorre através da interação social em atividades comunitárias.
Entender a interação entre cultura e cognição tem aplicações práticas e significativas, especialmente na educação e saúde mental. Na educação, adaptar métodos de ensino aos estilos cognitivos culturais facilita a aprendizagem. Em culturas coletivistas, as atividades colaborativas são benéficas, enquanto em culturas individualistas os ambientes que promovem autonomia são mais eficazes.
A sensibilidade cultural é crucial na psicoterapia e na educação para fornecer cuidados eficazes. As terapias cognitivas devem considerar normas e valores culturais dos clientes, evitando diagnósticos incorretos e tratamentos ineficazes.
O relacionamento entre cultura e cognição é um aspeto crucial da psicologia contemporânea. A cultura molda fatores biológicos e contextos sociais que oferecem significado e orientação ao pensamento. Reconhecer esta realidade é essencial para promover uma compreensão mais inclusiva das capacidades humanas num mundo cada vez mais integrado e culturalmente diverso.
Manuel Leal
- Data da publicação nos EUA.