Esteve recentemente nas Flores a Dr Matilde Dias Pereira que, a convite da Associação de pais , foi debater com as crianças e familiares os inconvenientes da exposição exagerada aos ecrãs.
Todos sabemos que, quer adultos quer crianças, passam demasiado tempo na internet. A nossa vida depende hoje, em muitíssimas áreas, de aplicações que temos no telemóvel. Como consequência disso, estamos horas a resolver situações online. Enquanto isso, as crianças aproveitam também para utilizar os mesmos ecrãs sendo que é esse o retrato que têm em todos os lugares que frequentam.
A exceção podia e devia ser a escola. Infelizmente, quando alguns países proíbem até o uso de telemóvel nas escolas, Portugal decidiu adotar os iPad para substituição dos manuais em papel. Aquilo que se pensa ser um passo na evolução dos sistemas de ensino, transformou-se num imenso retrocesso com consequências difíceis de prever.
No seio de algumas famílias a questão revela-se muito preocupante. Aparentemente os dispositivos viriam preparados só para aceder aos conteúdos do programa na fase de escolarização em que a criança se encontra, no entanto, os adolescentes e jovens já conseguiram arranjar forma de instalar jogos e “furar” a aparente segurança que parecia subjacente á utilização desses equipamentos.
Começam assim movimentos de país para voltar aos manuais. Penso que o iPad deveria ter sido dispensado desde o primeiro minuto para não termos agora as escolas e os professores a braços com o problema de ter alunos de iPad e alunos de manual.
Os riscos do uso abusivo dos ecrãs são muitíssimos e, neste momento, são as crianças a reconhecer isso. O mundo virtual retira à criança, ao adolescente, ao jovem o contato com o mundo real, a expressão dos afetos e a fluidez na comunicação. Viver no telemóvel e fazer parte de um mundo que, efetivamente, não existe.
É interessante porque, depois de iniciar esta crónica, recebi do meu amigo, Professor Onésimo Almeida um email que justamente abriu uma discussão sobre este tema. Há grande unanimidade entre o grupo no que respeita a este flagelo dos ecrãs.
Nunca se falou tanto em hiperatividade, autismo, síndrome do pensamento acelerado e défice de atenção. Estes distúrbios estão claramente associados á utilização abusiva destes segmentos educativos.
Há falta de professores em todo o mundo. Ensinar deixou de ser aliciante. Os professores sentem-se desautorizados e desiludidos com o comportamento e desinteresse das crianças.
E as crianças? Vivem como autómatos, deprimidas e revoltadas. Ou são bullys ou são vítimas, ou são consumidores de drogas ou passam a vida nos ecrãs a responder a desafios estúpidos ou a ver cenas de violência.
Os modelos educativos adotados não estão a resultar. As minorias, refira-se, as crianças ditas “normais”, com família estruturada e comportamento regular, são cada vez menos. E cada um dia elementos da família vive na sua “bolha” de indiferença.
O mundo desajustado em que vivemos, é uma consequência óbvia deste processo degenerativo que foi minando as nossas relações familiares e sociais.
As crianças precisam de amor e de paz. De atenção personalizada, de colo, de diálogo real. Por alguma razão o suicídio juvenil tem aumentado de forma assustadora.
A Dr. Matilde vai voltar às Flores porque sentiu e percecionou a necessidade que as crianças estão a perceber em si mesmas de mudança comportamental. Mas nós, somos também agentes responsáveis por esta mudança. E poucos estão a fazer o que devem. E, às tantas, não é assim tão difícil. Um abraço dado a tempo pode ser fundamental. E é tão simples.
A indiferença em relação a crianças e adolescentes é uma forma de abandono e violência psicológica.
Gabriela Silva