Crescemos todos a ver filmes de cowboys. Claro que este “todos” se refere à rapaziada da minha idade, com a meninice e a baixa juventude vivida nos anos sessenta do século passado. Escrito desta maneira até parece que foram tempos já muito distantes…
Nada se comparava a uma boa coboiada, daquelas com pancadaria em quase todas as cenas. No linguajar da rapaziada, eram “filmes de porrada”, com tiros, socos, caidelas dos cavalos abaixo e perseguições aos peles-vermelhas, que, afinal, eram as vítimas daqueles forrobodós, embora não tivéssemos a consciência do que os povos nativos sofreram na vida real. Para que um filme acabasse embeleza tinha de ter a cena final do ardente beijo que o “rapaz” pespegava à “rapariga”, na presença do seu leal cavalo branco.
Com a caminhada do crescimento, as coboiadas foram desaparecendo do meu gosto cinematográfico. Não me lembro de ter visto, por exemplo, nenhum dos famosos filmes do Clint Eastwood, embora não tenha esquecido a forte impressão que me causou o “Little Big Man”, com Dustin Hoffman, uma descrição muito mais verdadeira (e triste) das atrocidades da conquista do Oeste e o aniquilamento dos povos indígenas e da sua cultura. Foi também por essa altura que comprei e li vários dos livros “aos quadradinhos” do Lucky Luke, o pistoleiro mais rápido do que a sua própria sombra, que, embrulhados juntamente com os do Astérix, me acompanharam na viagem migratória de há 48 anos.
Fui rebuscar estas lembranças porque às vezes penso que estamos agora envolvidos numa grande coboiada. Nem quero imaginar como é que este filme vai terminar, o que sei é que não vou sentir saudades destas cenas tristes. Até certo ponto, uma grande percentagem do povo americano rege as suas vidas debaixo das normas do que eu gosto de chamar o “cowboismo americano”, se é que me é permitido inventar uma palavra. Para essa gente, é perfeitamente normal resolver problemas à força do soco e até mesmo dos tiros de pistolas. As leis impostas por este amarelado xerife são aceites com naturalidade por muitos, ele é o único que tem poder para fazer e desfazer, como nos tem mostrado nos últimos tempos. Não vai faltar muito, nem sequer as universidades vão precisar formar mais juízes, nem os tribunais terão poder para interpretar as leis; ele e os seus czares afirmam que não respeitam nem se importam com as opiniões dos magistrados. E quando os restantes, os índios deste filme, começam a dar sinais de descontentamento, ele envia os seus xerifes adjuntos para tomarem conta da situação. Até os rapazinhos inspetores do DOGE já recebem proteção de guardas armados para invadirem à força agências que nem pertencem à estrutura governamental, mas onde o xerife quer meter as gadanhas.
Infelizmente a vida não é um filme de aventuras nem um livro de banda desenhada. Na realidade, este mundo é um ecrã sem limites, as tragédias misturam-se com as comédias e os bons atores são poucos. Nós, os figurantes sem maquilhagem, só esperamos que, no futuro, este período da vida americana não fique conhecida por “cowboismo” ou “trumpismo”, como fomos obrigados a viver a nossa juventude embrulhados em fascismo ou salazarismo.
Vou começar a reler a minha coleção do Astérix e do Lucky Luke. O humor e o sarcasmo deles é bem mais interessante que estas nojentas notícias diárias.
João Bendito