“Sim, todos queremos trabalhar menos e ganhar mais. Mas não é assim que chegamos lá e se não somos capazes de nos insurgir contra tamanha afronta política à nossa capacidade intelectual, então não seremos capazes, jamais, de os colocar no seu devido lugar.”
Desculpando-me, desde já, pelo abuso de tempo que vos roubei, gostaria de concluir a análise, mais quantitativa do que qualitativa, que tenho vindo a desenvolver sobre a lamentável Anteproposta de Lei, da autoria do Governo Regional, que, alegadamente, visa reduzir a idade de reforma dos Açorianos porque, em média, vivem menos do que os restantes portugueses.
Nas partilhas anteriores, apresentei-vos argumentos constitucionais e legais para tentar que percebam que o teor da proposta açoriana, apesar de ser popularmente bem aceite (claro, quem de nós não gostaria de se reformar mais cedo?!), não encontra porta aberta por onde possa passar no crivo da votação da Assembleia da República.
É um facto que a proposta terá méritos: um deles é o de concretizar uma promessa eleitoral, de um dos partidos que compõem a coligação de Governo; outro será a putativa discussão que nos pode incutir a fazer sobre a necessidade de reformar o sistema de segurança social em Portugal. No entanto, o objetivo central desta proposta foi, infeliz e lamentavelmente, eleitoralista.
Advogando aos sete ventos que o Governo Regional quer reforçar os seus poderes autonómicos aplicando uma medida, supostamente, da maior justiça social, engana-se deliberadamente o cidadão eleitor e contribuinte líquido do sistema previdencial. E engana-se, primeiro, porque a Região não tem quaisquer competências autonómicas nesta matéria; segundo, porque mentindo às pessoas para tentar tirar dividendos políticos e partidários, sabendo-se, à partida, que tal proposta nunca será aprovada na Assembleia da República, passa-se um atestado de incapacidade ao povo que não é admissível.
Apesar de todas as questões técnico-jurídicas, o problema maior (mais grave mesmo!) de toda esta discussão em torno de um flop é o elefante no meio da sala: AFINAL, PORQUE VIVEM MENOS OS AÇORIANOS???
Quase todos os partidos políticos com representação parlamentar nos Açores evitaram esta porcelana, passando-lhe por cima ou ao viés. E porque será que isso acontece? Ora, contornou-se o adorno, porque a proposta do Governo Regional, sendo populista, é difícil de recusar. É preciso coragem política para se assumir ser contra algo que, à partida, é bom para todos nós. Todos queremos ir para a reforma mais cedo. Todos somos a favor. Tomos iremos votar nas próximas eleições. Todos somos potenciais eleitores destes partidos. Por isso, todos devemos ser tratados como meninos de coro, como almas ignorantes que podem e devem ser ludibriadas por cabeças pseudo-iluminadas que, querendo manter o seu nível de poder, vendem-nos gato por lebre, certas de que vão conseguir os seus intentos.
Pena que estejamos a ser mandados por pigmeus!
E a maior pena que tenho, ainda, é que uma larga maioria de Açorianos se deixem levar por estas cantigas do bandido. Sim, todos queremos trabalhar menos e ganhar mais. Mas não é assim que chegamos lá e se não somos capazes de nos insurgir contra tamanha afronta política à nossa capacidade intelectual, então não seremos capazes, jamais, de os colocar no seu devido lugar.
Todavia, centremo-nos no elefante. O que importa verdadeiramente estudar, perceber e combater é o real motivo de, nos Açores, morrermos mais cedo do que os restantes concidadãos nacionais. Algo fazemos mal. Fumamos mais que um continental? Bebemos mais do que um continental? Comemos mais que um continental? A verdadeira essência deste debate é esta. Porque existem taxas de incidência de determinadas doenças na Região muito superiores ao resto do País? Isso, quem está no poder – até mesmo quem está na oposição e tem ganas de quer chegar ao poder – não quer debater. Até porque – salvo cada vez menos honrosas exceções ainda resistentes em alguns cadernos eleitorais – os mortos não votam!
A prova provada de que o autor da proposta não quer debater o assunto é que numa proposta legislativa com um teor preambular de 12 páginas e 29 parágrafos existe apenas uma referência ao assunto: «As diferenças de valores da Região face aos valores de Portugal continental podem ser encontrados em fatores socioecónomicos ou fatores de saúde pública, como a taxa de incidência de certas doenças graves ser mais elevada do que em Portugal continental – mas, independentemente dessas causas, o efeito – um encurtamento da vida em dois anos e sete meses (…) é indesmentível».
Como se vê, o próprio Governo Regional reconhece a existência de “doenças graves”, que matam mais nos Açores do que no resto do País, mas em vez de priorizar energias e investimento para o seu estudo, que nos encaminhe para uma literacia de melhor viver, que nos promova uma melhoria dos cuidados de saúde a prestar no âmbito da prevenção de tais doenças… Não: “independentemente destas causas”, escreve, descaradamente o Governo Regional – borrifando-se vergonhosamente para a melhoria da nossa qualidade de vida – o que se pretende é promover o ócio e deixar morrer mais cedo.
Meus caros, todos os mais recentes indicadores sobre esta matéria – também em Portugal – indicam que, apesar do aumento da esperança de vida que se tem vindo a registar nas últimas décadas, tal não significa que as pessoas vivam com mais saúde. Aliás, os números mostram que, sobretudo depois da pandemia, o número de pessoas com limitações na realização das tarefas diárias devido a problemas de saúde aumentou, o que significa que, apesar de viverem mais, os portugueses têm menos anos de vida saudável e têm mais anos de vida doentes. É isso que queremos? Faz sentido viver assim, quando usufruímos de uma qualidade de vida inigualável nestas ilhas fantásticas? Deixo para vós as reflexões.
Da minha parte, resta-me elogiar a coragem política do Deputado da IL/Açores que, sozinho, teve a hombridade de assumir que não é mentido aos Açorianos que se conseguem fazer as reformas necessárias ao desenvolvimento social e económico que as nossas terras precisam.
Sim, eu também me quero reformar mais cedo. Mas tal só será possível no dia em que a classe política voltar a ser composta por cidadãos intelectualmente honestos, que primam pela prestação de um serviço público às populações, em vez de se tentarem aproveitar delas para se perpetuarem no poder. É preciso sentido de Estado para reformar a segurança social, cuja sua sustentabilidade financeira está em perigo – basta ver o alerta do Tribunal de Contas que diz que “a continuar com este regime, em 2060, vai haver um buraco nas contas de 228 mil milhões de euros, nos dois sistemas de pensões: o do regime geral e o dos funcionários públicos”.
Enquanto nos deixarmos levar por estes números políticos que nos impingem sem pejo, nem vergonha na cara, em vez de exigirmos de quem nos governa responsáveis medidas reformistas, bem poderemos continuar… a queixar-nos apenas de nós!
Haja Saúde (mesmo para além da idade da reforma)!
Pedro Ferreira*
- Presidente do Conselho Nacional da Iniciativa Liberal