Urge investir na Saúde Pública
“Qualquer Programa, ou qualquer sistema, pode ser optimizado. Há sempre ineficiências, redundâncias e espaços para melhoria. A burocracia governamental, por exemplo, avança muito lentamente.”
O tema da semana: pobre Saúde Pública, só lembrada nas horas difíceis…
Creio que quem desempenha funções públicas relevantes, sobretudo em períodos conturbados, tem a obrigação de, com a devida distância temporal, prestar contas públicas do seu trabalho, na 1a pessoa. Publicar aquilo que se popularizou como sendo “As Memórias”. Seja um membro do governo, nacional ou regional, seja qualquer outro relevante servidor público, quem serviu a Causa Pública deve à Comunidade, e à Memória colectiva, a preservação de informação relevante para entendermos cada um dos momentos da nossa História.
Nos tempos que vivemos, tão fascinantes quanto atribulados, assistimos à ascensão das redes virtuais como construtores de memórias colectivas, constatando-se como muitas vezes, pelas mesmas ou através de alguns órgãos clássicos de comunicação, se manipula a Opinião e a Emoção Pública. São as primeiras linhas – e o título – de qualquer notícia que arrebatam (e arregimentam) multidões, neste mundo cheio de pressas, e onde a novidade é encarada de forma muito ansiosa, tantas vezes doentia.
O leitor perceberá decerto, sem que eu tenha de dar exemplos, o que aqui estou a escrever.
Mas, e sem sair da temática da Saúde (a única sobre a qual aqui arrisco escrever) basta recordar a forma – quase em jeito de vedetas artísticas – como alguns servidores, ineficientes a uma escala considerável (mesmo num país como o nosso…), são “incensados” na Praça Pública, enquanto outros (que pautam a sua vida pelo sucesso, na forma como atingem os objectivos a que se propõem) são vilipendiados.
Um célebre governante georgiano terá dito que, mais importante do que as eleições seriam aqueles que contam os votos; hoje poder-se-ia dizer que, mais importante do que “os factos” é a forma como os mesmos aparecem aos olhos de uma Opinião Pública desinformada, ou pouco “atenta”.
Há umas semanas atrás, milhares de trabalhadores do “Departamento de Saúde e Serviços Humanos” dos EUA foram dispensados: o indicador de eficiência DOGE alcançou apenas 2,75% da sua meta.
Eficiência. A eficiência não é algo simples, em particular na Saúde: exige melhorar processos, fortalecer infraestruturas e garantir a sustentabilidade. Se tal não for feito, haverá custos.
Qualquer Programa, ou qualquer sistema, pode ser optimizado. Há sempre ineficiências, redundâncias e espaços para melhoria. A burocracia governamental, por exemplo, avança muito lentamente.
Auditorias internas são algo pouco comum, neste país, e quando acontece os resultados são desconhecidos. Por exemplo, alguém conhece os resultados de uma Auditoria externa feita há 3 anos a uma área estratégica, uma Unidade, do maior Hospital dos Açores…?
Acabada a Pandemia Covid-19, já foi realizada alguma Auditoria interna, alguma análise, a tudo o que os vários serviços efectuaram nesse período único das nossas vidas, quer na metrópole quer nas Regiões Autónomas?
Tal acção é fundamental para se perceber o que foi feito bem, o que foi feito menos bem, o que pode ser melhorado e o que deve ser replicado, numa próxima Pandemia. Sim, numa próxima, pois uma nova Pandemia é uma certeza absoluta, só não sabemos quando.
Nos EUA especialistas externos avaliaram como poderiam melhorar o CDC, entrevistando centenas de interessados, dentro e fora do CDC. Concluíram que o CDC deve centrar-se nas capacidades básicas, ser mais ágil e flexível e responder melhor às necessidades dos estadunidenses no terreno.
A Saúde Pública é sempre um investimento. Não investir atempadamente na criação de estruturas de Saúde Pública adequadas levará a milhões em custos futuros, em tratamentos hospitalares ou em perda de produtividade. Por exemplo, um surto de gastroenterite viral, aparentemente indolente em pessoas saudáveis, se for por um serotipo especialmente virulento, numa ilha com grandes limitações no atendimento hospitalar, facilmente extenuará os serviços de saúde, já de si muito frágeis.
Nunca podemos esquecer que, mesmo uma baixa percentagem de uma doença, se facilmente contagiosa, representa um elevado número absoluto de pessoas a precisar de tratamentos hospitalares. E, o limite para estes atendimentos, é necessariamente um número absoluto, baixo.
Há muitos exemplos do retorno do investimento, em Saúde Pública:
- Por cada 1 dólar investido na prevenção de Overdoses previnem-se 4 dólares em custos, em tratamentos médicos e no sistema penal.
- nas vacinas o retorno é de 10,5 dólares por cada 1 dólar investido.
- no que toca aos programas comunitários de perda de peso, por cada 1 dólar investido há um retorno de 16,70 dólares.
Cada Euro destinado à Saúde Pública é um investimento, que gera um retorno 2 a 60 vezes o custo, reduzindo os gastos com tratamentos médicos, melhorando a produtividade laboral e fazendo com que as comunidades sejam mais seguras. É esta máxima que tem de estar sempre presente, na cabeça dos decisores.
A homenagem da semana: ao Papa Francisco
No rescaldo da sua partida para o Pai destaco uma frase sua, na JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE, em Lisboa:
“O único momento em que é legítimo olhar uma pessoa de cima para baixo é para ajudá-la a levantar-se”.
Que tantos que dizem admirar o PAPA FRANCISCO pudessem praticar, no seu dia-a-dia, estas palavras…
Mário Freitas*
- Médico, Coordenador Regional da Saúde Pública dos Açores