A vitalidade de um sistema autonómico mede-se pela sua capacidade de se transformar com os territórios que representa, acompanhando a evolução concreta das suas comunidades e ajustando os seus instrumentos políticos à realidade. No caso da ilha do Pico, essa transformação é clara, evidente e merecedora de uma resposta institucional consequente. A ilha afirmou-se com consistência em múltiplos domínios: na economia, na cultura, no turismo, na qualificação dos serviços e na afirmação de uma centralidade regional que não pode continuar a ser ignorada pelas estruturas de decisão.
É neste contexto que importa considerar a legislação aprovada em 2024, que veio reformular os critérios para a atribuição de um estatuto urbano de nível superior. Esta nova lei introduz uma perspetiva mais abrangente e atualizada, valorizando não apenas a dimensão populacional, mas também a relevância funcional, a densidade e diversidade de serviços públicos, a atratividade turística, a organização urbana e o papel estruturante desempenhado no contexto regional. Pela primeira vez, a lei reconhece que um território pode ser elevado quando, mesmo não cumprindo todos os requisitos clássicos, apresenta um conjunto de condições sólidas que justificam plenamente esse passo. Mais do que isso, prevê que as Regiões Autónomas possam adaptar a lei à sua realidade específica, por via de decreto legislativo regional.
No caso do Pico, esse conjunto de condições está amplamente preenchido. A ilha consolidou um núcleo com funções organizadoras, infraestruturas modernas, capacidade de atrair investimento e talento, e uma dinâmica que se traduz em coesão, inovação e participação cívica. O que falta, por isso, não é legitimidade — é apenas decisão política.
Criar um lugar hierárquico de nível superior não é um gesto simbólico, mas uma resposta institucional a uma realidade consolidada. Corresponde a assumir, com frontalidade, que há territórios cuja relevância já ultrapassou os critérios administrativos do passado. E se o Pico — com tudo o que já construiu — não merece esse reconhecimento, então é legítimo perguntar o que mais será necessário para o justificar.
A autonomia que os açorianos construíram não pode estagnar num modelo institucional desenhado para realidades que já mudaram profundamente. Precisa de evoluir, de se moldar às dinâmicas contemporâneas e de responder com equidade às novas centralidades emergentes. Reconhecer um território quando ele já se comporta como tal não é um gesto simbólico — é uma obrigação democrática.
Neste momento, o que está verdadeiramente em causa não é uma designação formal, mas a coerência entre a prática territorial e o reconhecimento político. Ou o poder regional é capaz de acompanhar a transformação real dos seus espaços e populações, ou corre o risco de se tornar prisioneiro de um modelo institucional desajustado, que ignora dinâmicas emergentes e perpetua assimetrias.
É tempo de fazer coincidir a geografia do poder com a geografia da realidade. O Pico já assumiu esse papel — com trabalho, com visão e com resultados. Cabe agora às instituições regionais dar o passo que falta: com coragem democrática, com justiça territorial e com respeito por quem constrói, todos os dias, uma centralidade que merece ser tratada com a dignidade de vida.
Jorge Alves Jorge *
- Geógrafo