Os jornais de (10/09/2025), Diário dos Açores e Açoriano Oriental, noticiam que o bote baleeiro Santa Joana, construído na década de 50 do século passado e depositado há poucos anos no Parque Atlântico, em Ponta Delgada, vai agora ser entregue ao Clube Naval de Ponta Delgada, desconhecendo os termos deste depósito, ou doação ou concessão que aliás deviam ser públicos, reconhecendo que o Museu Carlos Machado que é o proprietário deste bote, pode legitimamente “entregá-lo à guarda” de quem entender.
Mas já não é legítimo que se omita parte importante da história deste bote, referindo reiteradamente que ele baleou em S. Vicente de Ferreira. Na verdade e segundo João Luís Mariano, filho do 1º oficial deste bote, o Santa Joana foi lançado ao mar no portinho do Faial da Terra, Povoação onde, nesta Freguesia, haviam sido construídas pelos próprios Baleeiros, uma rampa de varagem, uma casa do bote e uma Vigia de baleias, depois de obtido o respetivo licenciamento do Governo Central de então.
E baseando-me ainda no depoimento de João Luís Mariano que, em criança, viveu no Faial da Terra por vários anos, tantos quantos a baleação do Santa Joana, este bote foi destinado a balear a sul da Ilha de S. Miguel, onde mais baleias eram avistadas, o que ainda hoje acontece, em especial nos mares do Concelho da Povoação.
Não me parece pois correto, seja por ignorância, seja por falsidade consciente, que se esconda persistentemente este fato da história da baleação em S. Miguel, esquecendo-se o Faial da Terra, como terra baleeira, quiçá a mais importante a sul da ilha. Ou melhor, ignorar a importância do Faial da Terra neste processo histórico, significa desvalorizar a sua identidade enquanto terra baleeira, significa desconsiderar fatos importantes da História do Concelho da Povoação, e não contribui para a verdade histórica da caça à baleia na Ilha de S. Miguel.
Mais do que um objeto do património da caça à baleia em S. Miguel, o Santa Joana é um símbolo identitário da Freguesia do Faial da Terra e que aqui deve manter-se em espaço já pensado e que está sendo preparado pela Câmara Municipal em parceria com a Junta de Freguesia.
Com esta informação, não deixo de considerar legítimo que o Museu Carlos Machado faça a entrega deste bote ao Clube Naval de Ponta Delgada, tal como foi noticiado, mas não deixo de ficar pesaroso, por omitirem sistematicamente o Faial da Terra, como terra baleira e como local de lançamento marítimo deste bote.
Sendo o Museu Carlos Machado uma instituição pública e parecendo-me que tem a obrigação de conhecer todos os fatos históricos relativos a cada objeto do seu espólio, seria de bom respeito entabular contato prévio com a Câmara Municipal da Povoação, anuindo à solicitação já formulada por esta Instituição do Concelho.
Ademais, a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia, na medida das possibilidades financeiras destas instituições, têm vindo nos últimos anos a evidenciar a memória baleeira do Faial da Terra com várias obras: a construção da proteção da orla marítima e avenida adjacente, denominada de Avenida dos Baleeiros, a construção recente da praceta frente à Igreja Paroquial, cujo pavimento está preenchido com motivos baleeiros, a reconstrução da Vigia das baleias sobranceira à Freguesia e a composição de uma peça escultórica com o formato de uma baleia, colocada ao fundo da Avenida, junto do portinho das baleias. E mais recentemente preparam projeto e construção de espaço museológico relativo à baleação. Tudo isto, identifica uma estratégia predefinida, pela Junta de Freguesia e pela Câmara Municipal, como credibilizam estas instituições públicas concelhias que de há anos, implementam a preservação da memória da baleação no Faial da Terra.
É pois minha convicção que o BOTE SANTA JOANA devia ser colocado no Faial da Terra, à guarda da junta de Freguesia ou da Câmara Municipal, em instalação museológica que está a ser pensada e preparada e nunca entregue ao Clube Naval de Ponta Delgada que não possui qualquer relação histórica com este bote.
Carlos Ávila
Povoação, 18/09/2025