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Mundo amok, sem rei nem roque

Não é a primeira vez que o vosso gajeiro de serviço neste “cesto da gávea” recorre à palavra amok, que na língua bahasa dos indonésios significa obsessão, doença ou loucura grave, por vezes conduzindo à morte. A explicação desta recorrência está no agravamento progressivo do amok mundial, onde os países e povos se enredam mais e mais num jogo de xadrez, onde não há rei, nem roque. Nos meus tempos de estudante da Universidade de Coimbra, era habitual jogar xadrez num café próximo das escadarias do Liceu D. João III, chistosamente conhecido pelos estudantes por “café Piolho”, o que contrastava com Café Imperial, o nome que, salvo erro, tinha há mais de 65 anos. Ao lado, nasceu em 1962 o Atenas, hoje um mítico café-restaurante coimbrão. Um dos meus habituais parceiros de jogo era o Doutor Fernandes Martins, docente da Faculdade de Letras, com quem aprendi lances que ele repescava de publicações do campeão cubano José Raúl Capablanca. Recordo que dois deles são os roques (grande e pequeno) e têm por objetivo proteger o rei, peça principal do xadrez. Sendo o xadrez um jogo de tabuleiro antiquíssimo, cuja origem se perde na noite dos tempos, antiga é também a expressão popular “sem rei, nem roque”, usada quando os poderes principais desgovernam, sem que se vislumbre proteção possível.
Vem isto a propósito da loucura que varre o mundo atual e arrisca tornar-se obsessiva, considerando o nefasto efeito que exercem sobre a sociedade, as constantes vagas noticiosas de desgraças que nos chegam pelas televisões e redes sociais. Não se questiona a necessidade de informar, algo que é apanágio dos regimes democráticos; mas é imprescindível, por uma razão de pura sanidade social, encontrar filtros que permitam purificar os ares envenenados pelas notícias falsas e os arautos das desgraças. Até em Portugal, um país pacífico e seguro pelos padrões internacionais, existem órgãos de comunicação social, nomeadamente televisivos, especializados na divulgação noticiosa de tudo o que é negativo. Todo este processamento informativo “ à la Trump” faz parte de uma estratégia sufocante, amedrontadora e anestesiante das pessoas e instituições, com um único fim, que é transformar os povos numa massa neoescravizada e subserviente, que em escritos antigos designei por servos da gleba espacial .Na União Europeia, ainda se procura manter uma certa seriedade no controlo sanitário das mentes cidadãs dos Estados Membros, embora haja, dentro do próprio espaço europeu, quem pretenda falsear o jogo, eventualmente a soldo de interesses externos. Não é novidade, porque sempre foi assim, desde os anos dos impérios europeus, de que Portugal foi o último e mais resiliente, quiçá por ter sido o primeiro, o mais humanista e menos racista. Sei do que falo por experiência própria, baseada numa década de vivência africana.
Um dos exemplos do neo esclavagismo mediático em curso, é a compra por grandes grupos económicos internacionais, de algumas empresas dos média que se encontram fragilizadas por endividamentos, como vemos pela provável aquisição de participação significativa na Impresa — detentora a SIC e do Expresso — pelo grupo italiano MFE-Media For Europe, detido pela família Berlusconi, que teve em 2024 uma receita de 2,95 mil milhões de euros e um lucro de 138 milhões. Outro caso, vindo do lado norte-americano, foi o negócio proposto aos chineses para compra da Tik Tok – que, uma vez em mãos americanas, terá de cumprir as ordens do Presidente Trump, alguém que de negócios, negociatas e controlo dos média, sabe mais a dormir que o resto do mundo acordado. Tanto assim é que continua a deixar arder as fogueiras da Ucrânia e da Palestina, dois conflitos que mantêm a Europa sob dependência americana, o que é ótimo para o complexo militar-industrial dos EUA. O que é estranho é assistir ao vergar dos europeus ao mediatismo estupidificante de ações como a da flotilha que está próxima de Gaza. Ninguém de bom senso contesta a necessidade de parar os massacres de Israel aos palestinianos, mas o mesmo bom senso leva a crer que não será metendo jovens ativistas na boca do lobo que se contribui para uma solução pacífica. Mas recordemos 1956 e a crise do canal de Suez, quando o Egipto de Gamal Nasser nacionalizou o canal, por onde passavam diariamente 1,5 milhões de barris de petróleo destinados à Europa. Reino Unido, França e Israel intervieram militarmente, mas os EUA e a URSS opuseram-se à operação. Isto em plena “guerra fria”… tão amigos eram os americanos e soviéticos, lembram-se? Pior ainda foi a intervenção da Assembleia Geral das Nações Unidas, que exigiu a retirada imediata das tropas anglo-francesas e a sua substituição por uma força internacional da ONU, no fim de 1956. Israel só saiu meses depois, em março de 1957, o que explica como ocasionalmente, neste xadrez viciado, o rei consegue evitar o roque. Contudo, há um pormenor comum, ligado à geopolítica do petróleo, ontem como hoje contribuindo para um mundo amok, sem rei nem roque.

Vasco Garcia

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