“Eles são os bons. Os outros são os maus. Assim o foi durante todas as últimas campanhas. Assim será agora, com as presidenciais, pessoalizando ainda mais a questão, porque todos e todas sabemos que o cargo de presidente se transformou num lugar de homem só, pelas desastrosas ações de Marcelo, que se aproveitou do ainda mais desastroso Coelho para tomar a presidência sem apoio partidário.”
Quem nasceu ou viveu em Portugal, durante um curto período, já se deparou com referências a tachos, com bastante regularidade. Não me refiro a questões de culinária. Falo de tachos, no sentido metafórico, tantas vezes aproveitado pela classe política, mas também por outras profissões que flutuam em torno do ato de maldizer do nosso país.
Ainda que não se conheça a verdadeira origem da expressão, de acordo com especialistas em linguística, a verdade é que a mesma está associada à ideia de ter um trabalho bem pago e sem chatices, onde uma pessoa possa usufruir de regalias sem sofrer as consequências das suas falhas. Onde tenha capacidade para ter um tacho maior de comida, portanto. No caso da política, a ideia aplica-se, em geral, a pessoas com poucas competências, que são nomeadas para cargos de grande remuneração, onde vão ter poder, boas remunerações (comparadas com o salário mínimo e médio praticados) e fazer pouco ou nada.
De certeza que ao ler o parágrafo anterior, reconheceram uma antiga chefia, ou atual deputado regional, na forma como imaginaram o tacho de comida mal distribuído que para aqui vai. Mas o propósito de hoje não é procurar bodes expiatórios, nem burros cansados de canadas, na nossa pequena realidade insular. O meu objetivo é claro, e não é mais do que alertar para o que vai acontecer, agora que terminaram estas eleições, e já começaram as campanhas para as próximas: as acusações de tachos continuarão.
Há um movimento na nossa classe política, que não é exclusivo de partido algum, mas que se apegou a uma determinada linguagem de populismo sem dignidade, onde o tacho dos outros é bandeira dos que se querem apelidar de pessoas de bem. Transportando estratégias dos Estados Unidos, que por sua vez se limitaram a ir beber aos velhos conceitos de estadistas como SunTzu, sendo que estes movimentos constroem uma narrativa em torno de uma guerra cultural, onde um dos lados vem para salvar a pátria e o outro só existe para se aproveitar da mesma.
Eles são os bons. Os outros são os maus. Assim o foi durante todas as últimas campanhas. Assim será agora, com as presidenciais, pessoalizando ainda mais a questão, porque todos e todas sabemos que o cargo de presidente se transformou num lugar de homem só, pelas desastrosas ações de Marcelo, que se aproveitou do ainda mais desastroso Coelho para tomar a presidência sem apoio partidário. O populismo é, atualmente, a principal força política a nível mundial. Algum dele, suportado pela extrema-direita, mas também muito dele utilizado ao centro, por alegados moderados, como forma de sobreviver no crescente pântano de ideias ensopadas.
Esta história dos outros que são maus e dos bons que são os que fazem a campanha decente, fez-me regressar umas décadas atrás, e recordar um filme da sempre brilhante Nicole Kidman, que tinha esse previdente nome de «Os Outros».
No filme de suspense, em muito parecido com a nossa realidade, a atriz habitava numa casa que parecia estar assombrada por forças capazes de lhe fazer mal. Em todas as esquinas, ela e as suas crianças deparavam-se com adversários imaginários, que ali estavam para destruir o seu quotidiano. Esses “outros” tornaram-se seres fantasmagóricos, de tudo capazes para conquistar o maior tacho de comida. E ela, que só queria um espaço para si, e para os seus.
Até que, perto do final da película, percebemos que era Nicole Kidman e a sua prole que eram, na verdade, “os outros”, assombrando a verdade com as suas ilusões, incapazes de admitir que eram capazes do mal que viam nos olhos de quem tinham medo.
Assim é com os tais tachos. Durante anos, forças do mais redutor populismo apregoaram o combate ao tacho. Campanha, atrás de campanha. Vídeo viral, com burros, padres e outras tristezas que só não são cómicas por serem trágicas. Dizem-se salvadores e comandantes de um novo país e de um mundo melhor. E tudo isso para quê? Para serem eles os próximos a ter tachos para distribuir? O que se encontra em cada esquina dos novos partidos populistas é uma necessidade constante de derrubar o poder vigente, em que vale tudo para terem a colher de pau, o “salazar” e o tacho na mão. Quando lá chegam, não se encontra outra via, que não seja a de distribuir cargos por pessoas que demonstram menos competência, sempre de forma pior que as anteriores administrações.
É assim que encontramos a realidade do Governo Regional, onde pastas como a Cultura entraram em decadência absoluta, e onde qualquer funcionário público que seja imparcial irá admitir que a qualidade das chefias piorou a olhos vistos, nos últimos anos. E assim se vê também nos partidos que gritam mudança e falam mal dos outros. Deixo-vos um excerto do livro de Miguel Carvalho, que pode ser bastante elucidador:
«Em nenhum caso, poderia, em consciência, “perder a minha virgindade política”, com tão baixas e tristes companhias, justificou. Muito menos, continuava, ser obstáculo a “ambições políticas mesquinhas” e “carreirismos” de “desempregados políticos”. Os “tachos”, “poleiros” e cargos para que fora convidado, ironizou, “ficariam, certamente, ainda mais bem entregues ao Rato Mickey, ao Pateta, à Minnie e, se algum ainda sobrasse, à Theodora do filme Oz: The Great and Powerfull.”»
O excerto contém parte de um email apresentado por Jorge Castela, um dos fundadores do partido de André Ventura, que foi o primeiro ideólogo daquele grupo contra os tais “outros”. A parte que cito enquadra a sua suposta carta de demissão, onde acusa tudo e todos de serem apenas uma cambada de perseguidores de tachos, iguais aos “outros”. Castela é insuspeito de ser boa pessoa, mas também é um dos que melhor conheceu os bastidores do movimento populista que agora toma o nosso país. O que quer isso dizer? É só fazerem as contas.
Portugal, tal como o resto do mundo, está entregue aos tachos e aos que os perseguem. Pelo menos assim nos querem vender um conjunto de falsidades e meias-verdades que procuram acabar com os poucos pilares da democracia que ainda nos sobram. Os “outros”, na verdade são os que concorrem e ganham com ideias de ódios e desprezo, onde vale tudo e mais um burro para convencer o eleitorado. Os outros, são eles mesmo. E os tachos onde comem, já são maiores do que as cozinhas dos que votaram neles.
Certo é que, à altura que redijo estas linhas, os resultados eleitorais, nos Açores, estão fechados e bastante claros. Infelizmente, vejo a manutenção do executivo autárquico, na Praia da Vitória. Por outro lado, em Angra do Heroísmo, Fátima Amorim foi a grande vencedora, com uma vitória indiscutível. Santa Cruz das Flores foi uma surpresa, onde a candidatura independente, liderada por Elisabete Noia, ganhou.
Entretanto, aquilo de que se arrogavam algumas candidaturas, na ilha Terceira, não se concretizou. Afinal, as urnas deram a resposta e não elegeram nenhum candidato do chega, às Câmaras Municipais de Angra do Heroísmo e da Praia da Vitória, e esta terá sido a maior vitória do povo, nos órgãos que nos são mais próximos.
Quanto aos comentários feitos à minha pessoa, relativos a egocentrismo, capacidade e força, bastará analisar os resultados eleitorais autárquicos, desde 2005 até ao dia de hoje. Termino, citando um ditado de São Jorge, que consta do Cancioneiro dos Açores, que diz o seguinte: “Quem serra por baixo, cai-lhe farelo nos olhos”.
Alexandra Manes