Caro leitor, ponha o despertador para hoje às 18:00. Quando ele tocar, lembre-se que, para a semana, a esta hora, já está de noite. Na minha opinião, existem dois tipos de pessoas: as que não concordam com a mudança da hora e as que discordam que a hora mude. Mas pronto… importa então perceber o raio da mudança. E atenção que não uso esta expressão ao acaso. O nascer da ideia de alterar para um horário de Inverno tem a ver com o homem do raio (e não do raio do homem). E que raio de homem era esse? Já deve ter reparado que odeio quando a hora muda. Vou tentar acalmar-me, respirar fundo, e concentrar-me para explicar então por que raio muda a hora. Para tal, vou ter de fazer um ligeiro desvio, de forma a justificar esta tal coisa dos raios.
Em junho de 1752, aconteceu um episódio lendário. Um tipo decidiu sair de casa com um papagaio, fio de metal, uma chave e a confiança de quem acredita que o destino tirou férias. O céu rugia com trovões enquanto o homem preparava o seu aparato. Uma experiência que envolvia voar um papagaio com uma chave pendurada no meio de descargas atmosféricas. O papagaio subiu, e a chave de metal começou a chiar com aquele som de faísca elétrica, primo do chocalhar de uma cascavel. Eureka! Foi comprovado que o raio era afinal eletricidade. O homem do raio chamava-se Benjamin Franklin, e se alguma vez já teve na mão uma nota de cem dólares, já viu uma fotografia dele. Um grande inventor, político, diplomata e estadista norte-americano, que entre muitas outras coisas inventou o para-raios (juro que não estou a brincar). Importa então perceber que o homem do raio, uns anos mais tarde, já em Paris, decidiu escrever um artigo a sugerir que os parisienses se levantassem mais cedo para poupar velas. O texto intitulado “An Economical Project for Diminishing the Cost of Light”, era um panfleto cómico a “gozar” com o facto de os parisienses dormirem até tarde. Sugeriu ajustar os horários ao nascer do sol, para aproveitar melhor a luz natural de manhã. O raio do homem até sugeriu medidas radicais, desde taxar as janelas com os estores fechados a disparar canhões ao amanhecer para obrigar o povo a acordar. Tudo escrito com um humor ácido e certamente sabendo que iria irritar meia França. Foi então lançada a semente da ideia de mudar o raio da hora. Na altura, ninguém levou o assunto a sério, mas a ideia ficou, como um vírus silencioso à espera de acordar…
A espera acabou em 1916 na Alemanha. Com a primeira Guerra Mundial a decorrer, o povo que só expressa a sua criatividade através da burocracia, decidiu implementar a mudança da hora, como medida de poupança de energia (não de velas, mas de carvão). Poupar energia para alimentar as fábricas, locomotivas e canhões. O Reino Unido, claro, não quis ficar atrás dos alemães. Winston Churchill, ainda muito antes de ser o bulldog que enfrentou Hitler, foi um dos primeiros defensores da medida. Chamou-lhe “um modo de dar mais horas de sol à vida do povo”. Argumento bonito que se traduziu em mais tempo a trabalhar e menos dinheiro gasto em eletricidade. A ideia contagiou os Estados Unidos em 1918, que esperavam sair com a economia fortalecida com a mudança da hora. Não aconteceu, e tanto no Reino Unido como nos Estados Unidos, a medida resultou num caos absoluto. Comboios a partir uma hora antes do suposto, fábricas a abrir demasiado cedo, reuniões com atas diferentes e até casamentos celebrados em duplicado. Os jornais da época relatavam reclamações em massa dos cidadãos que já nem sabiam se estavam atrasados ou adiantados. Os sinos das igrejas tocavam à hora errada. Bem, um filme… A ideia foi abandonada novamente, mas teimosamente persistiu. Durante a Segunda Guerra Mundial, com Churchill já a primeiro-ministro, voltou-se a mexer nos ponteiros, e com a sua pompa tradicional, Churchill, o campeão da mudança das horas afirmou: “We borrow an hour from the morning to give it to the evening”.
Hoje, mais de um século após o caos inaugural, ainda andamos nisto. A brincar ao acerto dos relógios duas vezes por ano. Cerca de setenta países continuam a mudar a hora duas vezes por ano, agora sob o pretexto do ambientalismo. A maioria da Europa, América do Norte e partes da Oceânia. Outros países, talvez mais sensatos, nunca adotaram ou simplesmente decidiram abandonar a ideia: China, Japão, Islândia e quase toda a África. A Rússia, fiel ao caos ora abole, ora volta atrás, ora abole outra vez… Ninguém sabe ao certo.
Os defensores do raio da mudança da hora prometem as mesmas vantagens que Franklin propôs com as velas: poupar energia, aumentar a produtividade, aproveitar o sol. Coisas que não fazem sentido nenhum num mundo de luzes LED, ar condicionado e trabalho por turnos. Os críticos estão equipados de um arsenal de queixas mais atual: perturbações de sono, stress, acidentes rodoviários, bebés desregulados e adultos desorientados. Existem até estudos que mostram picos de ataques cardíacos e acidentes laborais nos dias seguintes à mudança. Então, caro leitor, por que raio muda a hora?
Philip San-Bento Pontes