Constituída em 2005, a Atlânticoline, uma sociedade de capitais exclusivamente públicos, é a empresa pública de transporte marítimo dos Açores.
Actualmente, a Atlânticoline assegura ligações entre Corvo e Flores e entre as ilhas do Triângulo (Faial, Pico e São Jorge). Já na época alta, a empresa não só intensifica a periodicidade das ligações regulares, como também disponibiliza ligações sazonais. A Presidente do Conselho de Administração da Atlânticoline S.A. é Isabel Dutra, licenciada em Economia, na vertente de Economia de Empresa, pela Universidade Lusíada de Lisboa, e pós-graduada em Gestão e Coordenação da Formação.
Pode apresentar-nos a missão da Atlânticoline e o papel que desempenha na mobilidade interilhas dos Açores?
Em 2025, a Atlânticoline assinala duas décadas ao serviço do transporte marítimo nos Açores. Desde a integração da Transmaçor, em 2015, a empresa consolidou-se como operador público de transporte marítimo interilhas, assegurando a mobilidade de passageiros e viaturas com fiabilidade, segurança e regularidade. A Atlânticoline desempenha um papel determinante na coesão territorial e social do arquipélago, promovendo o intercâmbio entre ilhas e contribuindo para o desenvolvimento económico e turístico da região.
Como está estruturada actualmente a operação da Atlânticoline em termos de frota, número de rotas e frequência de ligações?
Actualmente, a Atlânticoline opera no Grupo Central com dois ferries — Mestre Jaime Feijó (333 passageiros e 15 viaturas) e Gilberto Mariano (296 passageiros e 12 viaturas) — e com os navios Cruzeiro do Canal e Cruzeiro das Ilhas, ambos com capacidade para 191 passageiros, que reforçam o serviço no Triângulo. No Grupo Ocidental, a empresa assegura as ligações com a lancha Ariel, com capacidade para 12 passageiros.
A empresa investe fortemente em manutenção preventiva, garantindo níveis de operacionalidade e conforto elevados.
O contrato de prestação do serviço público com o Governo Regional, válido até 2029 (com possibilidade de prorrogação por dois anos), define as rotas e frequências. A Atlânticoline assegura um serviço regular durante todo o ano no Grupo Ocidental e no Triângulo. Estas rotas são reforçadas no Verão, altura em que a operação do Triângulo é estendida às ilhas Terceira e Graciosa, ajustando a oferta ao aumento da procura turística.
Como é feita a articulação da empresa com as entidades portuárias regionais e com os operadores turísticos das ilhas?
A Atlânticoline mantém uma relação estreita e colaborativa com a Portos dos Açores, S.A., entidade gestora das infraestruturas portuárias regionais, e com a Autoridade Marítima Nacional, através das capitanias locais. Esta articulação é essencial para garantir segurança, eficiência e pontualidade nas operações.
No sector turístico, a empresa trabalha com cerca de 40 parceiros comerciais açorianos, ajustando continuamente a sua oferta às dinâmicas do turismo interilhas e às necessidades dos operadores.
Quais são os principais critérios usados na definição das rotas, horários e número de ligações em cada época do ano?
As ligações e frequências estão definidas no contrato de serviço público com a Região, mas a Atlânticoline encara esse enquadramento como um ponto de partida, não como um limite. A empresa adopta uma postura proactiva, reforçando viagens em períodos de maior procura — como festas municipais ou eventos culturais — e procurando responder com flexibilidade às necessidades das populações, dentro dos meios disponíveis.
Como é gerido o equilíbrio entre a sustentabilidade económica da empresa e o serviço público essencial que presta à comunidades?
A Atlânticoline sustenta a sua actividade através das receitas da venda de bilhetes e da compensação prevista no contrato de serviço público. É uma estrutura complexa, com mais de 100 colaboradores e cinco embarcações, exigindo uma gestão rigorosa e eficiente.
A empresa mantém uma política de manutenção preventiva intensiva, de forma a poder assegurar uma taxa de operacionalidade elevada. Temos de ter presente que, no Triângulo, a Atlânticoline tem ligações todos os dias do ano. Os dias com menos viagens são o 25 de Dezembro e o 1 de Janeiro, em que ainda assim são realizadas três ligações diárias entre o Pico e o Faial. Entre estas ilhas, a operação da empresa é vital, existindo regularmente 4 viagens diárias, intensificadas ao longo do ano, sendo que, no verão, chegamos a ter 8 ligações por dia nesta rota. É essencial que assim seja, uma vez o Hospital da Horta é o único hospital do Triângulo, por isso o transporte marítimo é necessário para garantir o acesso da população aos cuidados de saúde. Existem também empresas com negócios nas três ilhas que necessitam de regularidade na operação marítima, bem como cidadãos que trabalham no Pico e residem no Faial ou vice-versa, que realizam movimentos pendulares diários nos nossos navios. A regularidade da nossa operação serve também a mobilidade necessária aos estudantes deslocados dentro do Triângulo, e ainda permite apoiar o transporte aéreo, garantindo a efectivação prática da complementaridade entre os aeroportos do Faial e do Pico.
O equilíbrio entre sustentabilidade financeira e serviço público é garantido por uma gestão criteriosa, orientada para a eficiência sem comprometer a missão essencial de garantir mobilidade no âmbito do serviço público.
A empresa tem feito investimentos em digitalização, como por exemplo na venda online de bilhetes, apps móveis ou sistemas de informação aos passageiros?
A Atlânticoline está a implementar um novo sistema de vendas, acompanhado do lançamento de um novo website e de uma aplicação móvel. Estes projectos visam modernizar profundamente a experiência do cliente, oferecendo canais digitais mais intuitivos, rápidos e funcionais. O objectivo é simplificar o processo de compra, melhorar a gestão operacional e aumentar a acessibilidade do serviço.
Qual é o orçamento anual médio da Atlânticoline e qual a percentagem que provém de receitas próprias face aos apoios públicos regionais?
O orçamento anual da Atlânticoline para o ano de 2025, para além das receitas provenientes das Obrigações de Serviço Público, no valor de 6,6 milhões de euros, prevê ainda receitas próprias na ordem dos 5,1 milhões de euros.
O Governo Regional diz que pretende retomar a ligação marítima Ponta Delgada–Vila do Porto. Há alguma indicação nesse sentido?
O contrato de serviço público prevê a possibilidade de, por solicitação do Governo Regional, retomar a ligação entre Ponta Delgada (São Miguel) e Vila do Porto (Santa Maria), entre 15 de Junho e 15 de Setembro, ou em ocasiões específicas, como as Festas do Senhor Santo Cristo.
Importa salientar que a frota actual da Atlânticoline não permite operar essa rota sem comprometer as restantes ligações regulares, sobretudo no período de verão, quando a procura interilhas é mais intensa.
Existem previsões de retoma de outras conexões de longo curso dentro do arquipélago?
A experiência demonstrou que as rotas de longo curso dentro do arquipélago não são economicamente sustentáveis, devido à fraca procura e à concorrência das tarifas aéreas, especialmente após a introdução da Tarifa Açores. Assim, qualquer eventual retoma dessas ligações só seria viável se enquadrada no âmbito das Obrigações de Serviço Público.
O investimento em navios eléctricos representa um passo ambiental importante. Que metas tem a Atlânticoline para redução de emissões nos próximos anos?
A Atlânticoline mantém um compromisso firme com a sustentabilidade ambiental. Apesar do insucesso do recente concurso para navios eléctricos, a empresa continua empenhada em reduzir a pegada carbónica da sua operação, através da optimização de consumos, da aposta em tecnologias mais eficientes e da preparação para uma futura transição energética progressiva.
Os barcos eléctricos são uma evolução tecnológica recente que no caso marítimo ainda não está muito madura. Não teme que em termos de manutenção ou de assistência técnica possam existir alguns constrangimentos adicionais que tenham consequências recorrentes na operação da Atlânticoline com estes novos navios?
A Atlânticoline foi rigorosa na definição dos requisitos técnicos para os dois navios eléctricos a financiar pelo PRR, precisamente para garantir que a transição energética não comprometesse a eficiência operacional.
Contudo, o primeiro concurso (início de 2024) não teve propostas válidas e, no segundo (Novembro de 2024), o consórcio seleccionado apresentou alterações incompatíveis com o caderno de encargos, levando à anulação do processo.
Apesar deste revés, A empresa mantém a ambição de renovar a frota com soluções ambientalmente sustentáveis, estando atenta a novas oportunidades de financiamento e à evolução tecnológica do sector.
Em temos de carregamento eléctrico e tratando-se de navios, a EDA já deu garantias de que consegue manter o abastecimento contínuo aos navios? Qual é o estado da electrificação dos portos (Horta, São Roque, Velas) necessária para o carregamento eléctrico dos navios?
Todo o processo associado aos eléctricos foi, desde a primeira hora, articulado devidamente com a EDA e a Portos dos Açores, no sentido de serem implementadas as soluções necessárias.
O concurso para a construção dos Navios ao abrigo do PRR correu mal. De que forma os requisitos do caderno de encargos (prazos rígidos, características técnicas) dificultaram a atractividade do concurso? Foi por aqui que surgiram os problemas?
Os requisitos definidos pela Atlânticoline no caderno de encargos foram rigorosos porque reflectem as necessidades reais do serviço público interilhas.
Flexibilizar esses critérios apenas para atrair propostas seria um erro estratégico: a prioridade é garantir navios que cumpram plenamente as exigências da operação e sirvam a população com o mesmo nível de segurança e eficiência que a empresa sempre assegurou.
Quais as perspectivas da Atlânticoline para os próximos anos?
A Atlânticoline continuará a desempenhar o seu papel essencial na coesão territorial e social dos Açores, apostando na modernização da frota, na digitalização dos serviços e na sustentabilidade ambiental. O foco permanece o mesmo desde a fundação: aproximar as ilhas, promover a mobilidade, apoiar a economia e garantir que cada açoriano tem acesso equitativo a bens, serviços, saúde, desporto e cultura.
Rui Leite Melo
