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Trica ou Trica

Sei que alguns leitores, ao lerem o título deste artigo, facilmente perceberão o tema que me traz aqui. Outros, talvez não façam a mais pequena ideia. Pois bem, vou falar do Halloween. Acredito que, depois de identificar o tema, muitos já tenham feito a ligação entre o título e a famosa expressão “trick or treat” — ou, como nós dizíamos na infância, “trica ou trica”.
Bem sei que o Halloween não é uma tradição portuguesa, nem sequer europeia. Contudo, o fenómeno tem crescido por todo o mundo. Mas, para nós terceirenses e, muito em particular, para os praienses, o Halloween é quase tão “nosso” como é dos americanos. E há razões para isso. A presença norte-americana na Base das Lajes marcou gerações, especialmente a minha, dos anos 80 e 90.
Recordo-me perfeitamente da azáfama que era a noite do “Trica ou Trica”, como nós, miúdos pequenos e com a pronúncia tropeçada, chamávamos à noite do “Trick or Treat”. O contingente americano era enorme nos anos 90, e a cidade da Praia da Vitória transformava-se num autêntico cenário de filme. Quem não se lembra da Estrada 25 de Abril, uma das maiores da cidade, com casas alinhadas de ambos os lados, habitadas por militares americanos e as suas famílias?
Naquela noite, aquela rua tornava-se um pedaço da América em plena Terceira. As casas estavam todas decoradas com bruxas, teias de aranha, abóboras iluminadas e fantasmas de pano branco a esvoaçar. Os moradores, sempre simpáticos e dedicados, vestiam-se a rigor e esperavam pelas crianças com cestos cheios das melhores guloseimas que alguma vez tínhamos visto.
Acompanhados pelos nossos pais, batíamos porta a porta, e lá saía, em coro e com sotaque à moda da Terceira, o nosso famoso “Trica ou Trica!”. Ainda hoje, ao lembrar-me, sinto o mesmo entusiasmo de criança. Eram tempos bons, tempos em que dávamos valor às pequenas coisas com uma intensidade que se perdeu. Hoje tudo parece mais fácil, mais acessível, mas também mais banal.
Os terceirenses, e os praienses em particular, tiveram o privilégio de crescer com influências que iam muito além da nossa pequena ilha. Tivemos acesso a comidas, bebidas, roupas, calçado, brinquedos e até eletrodomésticos que, na altura, faziam inveja a muitos que viviam nas grandes cidades da Europa. Chegámos até a brincar dizendo que certos objectos “cheiravam à Base”.
Imagino que, para quem não viveu esta experiência, tudo isto soe um pouco exagerado. Mas não é. Garanto-vos que não é.
Sinto-me um privilegiado por ter vivido essa época dourada da presença americana na Base das Lajes. Tenho a certeza de que muito do que sou hoje se deve a essa vivência. E acredito que todos os que partilharam essa mesma experiência sentem algo semelhante, uma espécie de “cordão umbilical” invisível que nos liga a todos.
Os tempos são outros, é certo. O mundo mudou, e a nossa ilha também. Não quero soar como os velhos do Restelo, que dizem “ah, no meu tempo é que era bom”, mas, ainda assim, confesso que o sentimento está cá. Porque, no fundo, era mesmo bom.
E quando o fim de outubro se aproxima e vejo as crianças mascaradas a bater às portas, lá me vem à memória aquele eco doce da infância, que ainda hoje ressoa na minha cabeça e no meu coração: “Trica ou Trica!”.

Carlos Pinheiro

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