Foi um debate com nível aquele que decorreu no programa da RTP/Açores, emitido no Dia dos Açores ao serão, reunindo os quatro titulares sucessivos do cargo de Presidente do Governo da nossa Região Autónoma, ao longo dos 48 anos que já levamos de Autonomia Constitucional. Em rigor seria preciso contar ainda com o quinto titular do cargo, que foi Alberto Romão Madruga da Costa, que aliás me sucedeu imediatamente, mas ele já não se encontra entre nós. Os que marcaram presença deram provas de vida e boa saúde, o que é natural nos mais novos e de recomendar no actual Presidente José Manuel Bolieiro, que tem sobre os ombros o peso das muitas expectativas do Povo Açoriano perante os desafios com que estamos todos confrontados. Está de parabéns a RTP/Açores por ter levado a cabo a organização de tal debate e o seu Director, Rui Goulart, que assumiu a tarefa de o coordenar!
Gravada no majestoso cenário da Igreja do Colégio, de Ponta Delgada, a conversa em causa teve por objectivo assinalar devidamente os 50 anos da Revolução do 25 de Abril, que está na origem da implantação no nosso País das liberdades públicas e do regime democrático. Como tenho afirmado muitas vezes, foi a marca genética do 25 de Abril, de Liberdade e de Emancipação, que tornou possível a Autonomia Constitucional dos Açores, e da Madeira também, naturalmente, com a amplitude política e de unidade de todo o Povo Açoriano, que tem vindo a ser concretizada progressivamente ao longo do tempo.
O debate permitiu definir amplas áreas de concordância, ou pelo menos de convergência, entre os vários participantes, os quais já tiveram ou têm agora a responsabilidade de liderança dos dois partidos centrais do regime democrático, PSD e PS. A cada sigla devia ter acrescentado a palavra Açores, pois foi da Autonomia que se falou durante todo o tempo que durou o programa.
Tratou-se do passado, do presente e do futuro, com calma e sem acrimónia de qualquer espécie, sem prejuízo de uma ou outra “picadela”, que serviram para apimentar o debate e puseram à prova o sentido de Estado e também de humor dos participantes. Enfim, nada que não fosse previsível e até estimulante entre pessoas que se defrontaram repetidas vezes em campanhas eleitorais e no desempenho das diferentes responsabilidades que o Povo Açoriano lhes foi confiando.
Claro que cada um dos participantes sublinhou sobretudo o que lhe correu ou corre bem e deixou na sombra os problemas que não conseguiu ou não consegue resolver. Mas a exposição a que na altura estavam os quatro submetidos não permitiu truques de ocultação, porque logo surgiam as observações dos outros participantes com pontos de vista diferentes, obrigando a explicações e esclarecimentos completos e por vezes até contundentes, em especial naturalmente quanto ao tempo presente, a cargo de José Manuel Bolieiro.
Achei especialmente significativo o tom de cautela com que o Presidente Carlos César se referiu aos temas, reconhecidos como absolutamente prioritários, da revisão da Lei de Finanças Regionais e da revisão da Constituição, quanto à matéria da Autonomia Insular. Disse ele – e espero estar a reproduzir fielmente as suas palavras – que “convém verificar se ao tentar abrir uma porta não vamos encontrar por detrás dela algum Cavaco ou algum Passos Coelho”. E noutra altura respondeu a um pedido meu de clarificação dizendo que estava avaliando a situação política nacional existente, isso apesar de se verificar, como tive ocasião de sublinhar, que os nossos dois partidos têm mais de dois terços dos Deputados na presente legislatura da Assembleia da República. Por mim, como então afirmei, fiquei esclarecido!
Ora, nem de propósito, veio a saber-se posteriormente que o anterior Primeiro Ministro António Costa, no último dia do seu mandato, enviou para o Tribunal Constitucional dois diplomas dos Órgãos de Governo Próprio dos Açores sobre matérias relativas à gestão de bens do domínio público marítimo, aliás aprovados ainda pela anterior Maioria Socialista, ou seja há já perto de três anos… Que tenha aguardado até ao último dia para tomar tal iniciativa é já por si muito significativo; e o tema abordado nos diplomas em causa é, como se sabe, de vital importância para a afirmação dos Açores como Região Autónoma, e não mera possessão, para não dizer “colónia”, da República Portuguesa.
Aos que podem estar por detrás da porta, mencionada pelo Presidente Carlos César, com intuitos de controlar senão mesmo de reduzir, se tal fosse possível – isto é se o Povo Açoriano, através dos seus representantes legitimamente eleitos ou então directamente, desse sinais de não se importar com tal desaforo… – haveria agora de juntar o nome de António Costa e já agora também o de José Sócrates, que só à sua conta mandou fazer pelo menos 20 cortes no texto do Estatuto Político-Administrativo da nossa Região Autónoma, quando da discussão parlamentar do texto revisto em 2008 e sei do que estou falando porque defendi na Comissão competente a reposição de tais preceitos, unânimemente aprovados pela Assembleia Legislativa Regional, e todos eles foram rejeitados pelos Deputados do PS, então com maioria absoluta.
Ou seja, os problemas de entendimento entre os dirigentes regionais e nacionais dos dois maiores partidos políticos sobre o tema da Autonomia existem desde há muito e já saíram da cena quem sempre nos apoiou e nos deu a mão nas horas de dificuldade, estou a referir-me obviamente a Francisco Sá Carneiro e a Francisco Balsemão; mas poderia também acrescentar António Ramalho Eanes, António Guterres e António Luciano Sousa Franco, pessoas que demonstraram compreender e apoiar integralmente a grandeza nacional do projecto de Autonomia dos Açores. Convém portanto manter um constante esforço de pedagogia sobre tal matéria ao mais alto nível nacional e europeu.
João Bosco Mota Amaral*
*(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico)