É inevitável e faz parte de quase todos os manuais de ciência política: qualquer que seja o ato eleitoral, as conclusões tiradas pelas diversas forças concorrentes variam na exata medida da “qualidade” dos resultados obtidos, havendo uma notável capacidade de adaptação e, muitas vezes, contradição em relação aos objetivos previamente definidos e divulgados.
Não fugiu à regra a eleição dos deputados para o Parlamento Europeu. O hemiciclo do “velho continente” tem características únicas e componentes bem diversas das assembleias nacionais ou regionais, porém a expressividade de alguns resultados ou a timidez de outros logo marcaram a noite eleitoral e os “soundbites” de responsáveis e candidatos.
Atenhamo-nos ao contexto regional. Se é certo que tradicionalmente os Açores não constam das agendas prioritárias dos líderes nacionais, no que tange à colocação de candidatos em lugares de destaque, não é menos verdade que, desta vez, a região não se pode queixar: três deputados eleitos em Portugal e uma nos Países Baixos.
Se a eleição do socialista André Franqueira Rodrigues era uma certeza (o quinto lugar na lista do PS predizia um resultado inequívoco para o até aqui deputado à Assembleia Legislativa Regional), já Paulo Nascimento Cabral teve de aguardar até ao final da contagem de votos para ver garantido um lugar mais do que merecido e justificado pelo brilhante trabalho entretanto efetuado na Representação Portuguesa junto da União Europeia, sobretudo nas áreas temáticas dos Açores e da Energia. Um sétimo lugar na lista que não prestigiou Luís Montenegro e as suas opções. A Madeira até ficou pior, com uma posição que não permite à região, na lista da Aliança Democrática, eleição de representante europeu para o próximo quinquénio.
A “surpresa” (ou talvez não..) chega da Iniciativa Liberal, a força política com a melhor, a mais próxima e a mais esclarecedora campanha eleitoral, liderada por um muito experiente, mediático e telegénico Cotrim de Figueiredo. A eleição de dois deputados permite a Ana Vasconcelos Martins fazer as malas para Bruxelas e Estrasburgo com todo o mérito. A investigadora de Oxford, natural da Terceira, reforça de modo muito significativo a expressão açoriana na Europa e confere à IL justíssimos motivos para – ela sim… – sorrir e “cantar vitória” no domingo passado.
Vejamos a componente regional e as respetivas reações. Bolieiro não perdeu tempo e (naturalmente) expressou o seu agrado pelos resultados da AD nos Açores. Na verdade, o líder social-democrata sublinhou um facto irrefutável: é a terceira vitória consecutiva do projeto político por ele liderado (depois das regionais e das nacionais), deixando um lastro de consolidação de uma nova era governativa e de um renovado espetro político-partidário, e remetendo especial expetativa para as autárquicas de outubro do próximo ano.
Bem sabemos o que efetivamente valem os parceiros de coligação do PSD nos Açores, e bem sabemos, também, as imensas franjas do partido que, tendo à altura criticado o estabelecimento de uma parceria a três para duas legislaturas regionais, continuam a pugnar por uma candidatura a solo dos social-democratas nos próximos atos eleitorais. Desde logo porque a mimetização deste projeto na figura de José Manuel Bolieiro é óbvia (é ele o rosto do projeto e é a ele que devem ser acometidos eventuais méritos dos últimos sinais dados pelos eleitores açorianos), mas também porque o CDS-PP e, sobretudo, o PPM, têm uma relevância política e uma influência governativa que estão muito longe de corresponder à natural ponderação do seu diminuto peso.
Serão meses interessantes, os próximos, desde logo pelo posicionamento que Artur Lima e Paulo Estêvão conseguiram no aparelho governamental, também porque Bolieiro, apesar de ser um animal político, é (demasiado?…) fiel às suas convicções e aos seus aliados, e até pelo crescimento interno de contestação à demasiada exposição (e subliminar preponderância) dos lideres regionais centrista e monárquico em relação ao quadro estruturante de governação dos Açores para os próximos anos.
Um cenário muito interessante, ao qual voltarei proximamente, e que permite, pela especificidade do sistema eleitoral dos Açores (para muitos profundamente injusto, embora seja reconhecida a dificuldade da proporcionalidade em face da dispersão geográfica e demográfica), um amplo conjunto de variáveis.
E aí está um termo (“variáveis”), de que os cata-ventos muito gostam…
Rui Almeida*
*Jornalista