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Os Filhos da Droga…e do Álcool

“Eu, Christiane F., 13 Anos, Drogada, Prostituída…” É como começa a história chocante e marcante do livro “Os Filhos da Droga”, lançado em 1978, baseado no testemunho real de Christiane Felscherinow, uma jovem alemã que, ainda na adolescência, mergulhou no mundo das drogas e da prostituição. O livro, escrito pelos jornalistas Kai Herrmann e Horst Rieck, revela de forma crua o impacto devastador de um ambiente destruturado e das escolhas feitas sob a influência de más companhias e um contexto social permissivo.
A história de Christiane começa com uma infância aparentemente tranquila numa pequena aldeia. Porém, a mudança para Berlim expôs a família a uma série de desafios: um pai violento, um divórcio tumultuoso e a separação das irmãs. Este cenário desencadeou o isolamento emocional que levou Christiane a procurar refúgio no álcool, nas drogas e, eventualmente, na heroína — um caminho que terminou na prostituição e em perdas irreparáveis.
Lembro-me de ter lido este livro teria por volta de uns 13/14 anos. Tenho bem presente na memória ter-me emocionado várias vezes durante a sua leitura. Foi um marco na minha vida literária. A força narrativa e a profundidade dos acontecimentos descritos tiveram um impacto duradouro em mim. Foi ali que tomei a decisão de nunca experimentar drogas como a heroína. É o poder transformador da literatura: moldar personalidades e, em alguns casos, salvar vidas ao alertar para as consequências das escolhas que fazemos.
Nos Açores, infelizmente, a realidade retratada no livro não é assim tão distante. O consumo de drogas e álcool atinge proporções alarmantes, que aumentam de dia para dia, continuando a atirar a região, para o primeiro lugar do ranking, encontrando-se entre as mais afetadas pelo abuso de substâncias em Portugal. Com os devidos efeitos colaterais, que nos levam ao topo de outros rankings. Apesar das campanhas de prevenção e das políticas públicas, os números não diminuem de forma significativa, pelo contrário, aumentam.
A secretária regional da saúde, com a pasta das dependências classificou, em plenário, em 2023, este como um “assunto extremamente grave”, mas ao fim de quatro anos de governação não se vêm resultados efetivos de mais uma das políticas da sua tutela. Na espuma dos dias, o que está nas capas dos jornais açorianos, ao contrário da sua intenção, foi o aumento do consumo de drogas e álcool, o que reflete mais uma política falhada da sua tutela. Porquê?
Primeiro, a abordagem falha na comunicação efetiva com os jovens nas escolas. Programas de ação, financiados pela Direção Regional da Saúde, baseados em discursos simplistas e moralistas, não captam a atenção nem geram identificação entre os mais novos. Muitas das sessões ou ações são meras palestras, demonstrações de um catálogo de drogas e os seus efeitos, com jogos de roleta infantilizados. A comunicação para o público adulto é praticamente inexistente. É importante um reforço de agentes da PSP que fiscalizem o consumo de álcool em pleno dia. Nestas ilhas, não há terra que não tenha um café cheio de trabalhadores pela manhã a beber o famoso café com “cheirinho”. Não existe comunicação para este público e aqui reside uma grande fatia dos consumidores de álcool. Antes, durante e depois do trabalho.
O plano regional de leitura, abandonado e obsoleto deveria ser um importante instrumento de auxílio no combate às dependências entre os jovens. Após uma breve pesquisa dos livros recomendados pelo plano, tutelado pela Direção Regional da Educação, é risível, para não adjetivar de forma mais brejeira, o que recomendam aos nossos jovens ler. É notório o desnorte, sem um fio condutor que vá ao encontro dos interesses dos jovens e das problemáticas que dizem respeito a cada faixa etária. E porque “Jénifer, ou a Princesa da França” do escritor Joel Neto não consta da lista para o 3º ciclo e secundário? Porque teimam em esconder uma realidade que está à vista de todos?
É urgente que a Direção Regional da Cultura junto com os agentes culturais sejam aliados nesta luta. Precisamos de investir em iniciativas culturais inovadoras, que ofereçam alternativas saudáveis e estimulem as novas gerações a estarem em ambientes culturais saudáveis e inclusivos. Música, teatro, literatura devem desempenhar um papel essencial ao criar espaços de encontro e expressão que valorizem a saúde física e mental. E isso só se faz tornando elegível o investimento em recursos humanos nos projetos apoiados.
A Psicologia ensina-nos que crianças e jovens aprendem, sobretudo, pelo exemplo. A aprendizagem começa com a observação. No entanto, as mensagens transmitidas pelas entidades públicas são, tantas vezes, contraditórias. Como podemos educar sobre os perigos do álcool enquanto o governo, nas suas mais diversas direções e autarquias continuam a apoiar, com o dinheiro dos contribuintes, grandes eventos culturais e festividades onde o consumo abusivo de álcool é promovido como uma norma social?
A Jénifer, dos Açores, não é diferente de Christiane, de Berlim, ambas sobrevivem ao ambiente para o qual foram atiradas pela família e pela sociedade. A mudança não virá apenas de políticas bem-intencionadas, mas da união de esforços. A task force que tem de ser formada deve contar com a saúde, educação, cultura e sociedade. Porque de “boas intenções o inferno está cheio” e de mediocridade também, e mais um ano se passou e não saímos da cepa torta.

Daniela Silveira

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