A Grécia foi o berço da filosofia ocidental; Roma foi o berço das comunicações terrestres europeias; Angra do Heroísmo foi o berço da autonomia açoriana. Tudo é passado e interessa mais o presente: porque somos melhores uns com os outros devido à nossa qualidade humana provocada pela democracia hodierna.
Angra tem uma particularidade especial: parece que olhamos para a orla costeira num modo antigo de encerramento dos portos para evitar os piratas; porquanto a realidade é que existem populações e não pirataria, e a orla costeira que antes era tenebrosa tornou-se num paraíso das e para as populações e dos seus visitantes.
Um pronto técnico e prévio: as vilas e as freguesias não têm qualquer poder e responsabilidade sobre a orla costeira, por isso também não têm orçamentos para esse assunto. A orla costeira é, em parte, da responsabilidade dos municípios, e noutra parte, dos governos regionais, e noutras em conjunto município-governo regional. Às juntas de freguesia apenas lhes compete a limpeza desses espaços por acordo de cooperação com os municípios. Os governos gostam, e muito, do tema do mar, talvez porque não dá trabalho e permite-lhes discursos inflamados de teoria; mas não gostam das costas marítimas que dão trabalho e não dão votos. Em 2025 apenas têm bandeira azul a Salga, os Salgueiros, o Refugo, a Silveira, o Negrito e as Cinco Ribeiras.
É este o ponto de situação quanto ao concelho de Angra na ilha Terceira:
Nível 1: costa de acesso muito difícil e com poucas oportunidades: Serreta e Doze Ribeiras.
Nível 2: costa de acesso difícil, mas com boas oportunidades, já abertas e já com desenvolvimentos: Cinco Ribeiras, Santa Bárbara, Feteira e S. Pedro.
Nível 3: costa de acesso difícil, mas com possibilidades: S. Bartolomeu e Ribeirinha.
Nível 4: costa de acesso difícil, mas de enormes possibilidades: São Sebastião.
Nível 5: costa de acesso fácil, mas com muito pouco investimento: S. Mateus e Porto Judeu.
Fazem parte da cidade (além de St.ª Luzia) as freguesias costeiras da Sé, Conceição, S. Bento e S. Pedro. Aqui o problema é diferente: o Fanal, a Prainha e o Cais da Figueirinha não recebem bandeira azul porque feita a obra do tratamento dos esgotos habitacionais e industriais, e detetados os problemas estes continuam por resolver. No Fanal existem desculpas técnicas; mas a verdade está nos esgotos, concretamente nas descargas; em todo o caso, foi-lhe recentemente atribuído o 1.º Totem-OneUP dos Açores, sistema de boias de salvação e ligação direta de emergência ao 112. Isto é, o histórico Fanal não tem qualidade para ter bandeira azul, não é Zona Balnear, e poucos se atrevem a ficar contaminados por descargas viciadas; no entanto tem a 1.ª preocupação do concelho, contra a Silveira e o Negrito que têm banhistas em grande quantidade todos os dias do ano.
Nas freguesias do nível 2: não existe investimento. O pouco que existe é nas Cinco Ribeiras, basicamente a manutenção do que existe. Santa Bárbara é um exemplo singular.
Nas freguesias do nível 3: também não existe investimento. Em São Bartolomeu existe um grupo de cidadãos que está a planear o modelo usado em Santa Bárbara.
A Vila de S. Sebastião não existe nenhum investimento, apenas se mantém o que existe nos Salgueiros, e existe um desprezo quase integral – com uma costa absolutamente extraordinária. Não se investe nada na sua proteção ao menos; tem potencialidades inigualáveis. É uma costa praticamente original em que o mar paulatinamente vai entrando e destruindo sem nada se fazer. Esta costa tem uma luminosidade e uma cor deveras singulares, e o seu historial tem lugar de destaque na ilha e no país: é um pecado religioso o seu abandono.
As vilas do nível 4: o Porto Judeu tem investido muito na sua costa e tem, aliás, vários caminhos pedestres de enorme beleza. É um exemplo de extraordinária resiliência e cujos resultados são merecedores de atenção, e de aproveitamento (como eu o faço amiúde). Percebe-se que são investimentos precários (devido ao material usado de fraca durabilidade) e provavelmente têm sido construídos sem apoio financeiro estrutural do município e do governo. Porto Judeu, tal como Santa Bárbara, são um exemplo: fazendo aos poucos e às suas custas, mas vão fazendo. S. Mateus é o pior e o melhor dos exemplos: o município apostou na proteção da costa junto à entrada do Porto de Pescas, entre o Bairro dos Pescadores e o Bairro Novo do Bravio, mas desprezou todo o resto, incluindo a magistral baía da Zona Balnear do Negrito. Aqui, todos os anos procedem-se a elementares obras que em poucos meses se desfazem, tornando sistematicamente o sorvedouro de financiamento sem qualquer qualidade. O Negrito é provavelmente a melhor baía do concelho de Angra devido às sua enormes potencialidades, mas não é respeitada: é um sumidouro de verbas mal investigadas porque sem a mínima qualidade; é uma zona muito procurada todo o ano por banhistas e turistas, mas está sempre suja e prenhe de britas e areias e lixo diversificado. A simples manutenção da limpeza é triste: os caixotes a derramar lixo ficam semanas sem serem despejados; e nunca são limpos. As instalações sanitárias são sujas e tristes; e só estão abertas na Época Balnear. Enfim, o Negrito, que é legalmente zona balnear, é um péssimo exemplo; as populações queixam-se frequentemente; mas de nada têm servido.
Toda esta costa do concelho de Angra é bordejada por fortes militares e em vários estados de conservação, e dão à Terceira o instituto de Ilha Militar e com um historial único nos Açores e em Portugal. E é de grande beleza e de grandes potencialidades para o bem-estar das populações e da sua segurança. Quanto maior a beleza, maior o desprezo. Por que motivo não se investe na nossa costa?, na nossa segurança e bem-estar?; por que motivo pagamos impostos e essa beleza é-nos retirada por falta de investimento?
É por demais evidente que esta falha colossal é exclusiva dos políticos. Na democracia açoriana existe um problema de liberdade.
Arnaldo Ourique