Mário Freitas, médico especialista em Medicina do Trabalho, Consultor (graduado) em Saúde Pública e Delegado de Saúde falou ao Diário dos Açores e deixa vários alertas às autoridades açorianas e nacionais sobre o momento em que estamos a viver, com uma subida de idas às urgências e centros de saúde, sobretudo devido a infecções respiratórias.
Com efeito, lembra o médico, desde o dia 24 de Dezembro que Portugal apresenta uma mortalidade bastante acima do normal, para esta época do ano, citando a Direção-Geral da Saúde (DGS), que diz ainda que só na última semana o país teve 635 óbitos em excesso.
Só na Terça-feira, dia 2 deste mês de Janeiro, morreram 510 pessoas em Portugal.
“Um dos paradoxos do trabalho em Saúde Pública é que, quanto melhor se trabalhar neste campo mais a população vai entender quaisquer medidas como exageradas; ou seja, se a população pede medidas é porque estas não foram adoptadas à priori, o que significa que quem as deveria ter tomado, não as tomou”, sublinha Mário Freitas.
“Há dados que os hospitais da Região não divulgam”
“Isto é o mesmo que dizer aos açorianos que (aproveitando este histórico atraso de 2-4 semanas entre pico de doenças no continente e nos Açores) devem vacinar-se, sobretudo todos os que têm mais de 60 anos”
E acrescenta: “Nos Açores há quem não entenda a importância da Epidemiologia, no dia-a-dia. Precisamente a Região do país onde ela demonstrou maior sucesso no controlo da pandemia Covid-19. É até bizarro que o único hospital da Região que tinha um serviço de Epidemiologia (de onde fluía, inclusive, regularmente, informação para a população, com a Saúde em números, semanalmente) tenha acabado com o mesmo, em contra-ciclo com o que está a acontecer em todo o país (onde estes serviços estão a ser implementados)”.
E o médico acusa: “Daí que, ao contrário do continente, há dados que os hospitais da Região não divulgam, pelo que há informação que só se conhece de forma indirecta”.
O especialista em Saúde Pública explica que “historicamente a mortalidade no continente é mais elevada em Dezembro, Janeiro e Fevereiro; nos Açores em média acontecem picos de mortalidade 2 a 4 semanas após os do continente, além do fenómeno de aumento de mortalidade no mês de Agosto”.
E alerta: “Com uma população menor, estes dados infelizmente não costumam ser “trabalhados”, perdendo-se assim a possibilidade de perceber bem as causas por detrás destes fenómenos, e dessa forma prevenir que aconteçam”.
Mário Freitas faz uma previsão, com base nestes cálculos e no histórico: “Parece ser lógico pensar que nas próximas duas semanas, nos Açores, se verificará um cenário de maior afluência aos serviços de urgência, de pessoas com incapacidade para o trabalho, e de absentismo laboral e escolar”.
Alerta para a vacinação
“Outra coisa que também temos percepcionado no continente, por estes dias, é que a esmagadora maioria das pessoas internadas em estado grave com gripe e Covid não estava vacinada, no corrente ano, para estas doenças”, sublinha ainda.
E Mário Freitas lança novo alerta: “Isto é o mesmo que dizer aos açorianos que (aproveitando este histórico atraso de 2-4 semanas entre pico de doenças no continente e nos Açores) devem vacinar-se, sobretudo todos os que têm mais de 60 anos, doenças que os tornam mais vulneráveis, profissionais de saúde, ou pessoas que têm idosos ou frágeis em casa. Ou até todos os que vejam vantagens em fazer a vacinação”.
Mário Freitas avisa que “a responsabilidade individual é o factor mais importante no controlo deste tipo de surtos”, para logo a seguir deixar vários conselhos:
Não precisamos de um “paizinho” que nos diga que em dias de chuva devemos andar com guarda-chuva e gabardine.
Não precisamos que o Estado ande sempre atrás de nós e nos diga que por estes dias é crucial tomar cuidados, vacinais, mas também usar máscara em espaços fechados e pouco ventilados.
Não precisamos que o Estado nos diga que nos podemos divertir, jantar, sair, sem correr riscos desnecessários, optando por exemplo por espaços mais ventilados, arejados, mais amplos, e onde as pequenas regras de higiene e segurança repetidas durante a Covid foram aprendidas.
Não precisamos de um Estado que nos diga que se eu estou com sintomas de gripe, com muita pena minha me devo abster de ir jantar com os meus amigos, familiares, a fim de os proteger desta doença. E, se quiser mesmo estar com eles, devo colocar máscara.
Não vai lá com “espanta-espíritos”
Sobre o papel dos serviços do Estado, o médico é peremptório: “Onde o Estado pode (e deve) intervir é naqueles locais onde a Ciência não é levada a sério. Onde 2+2 insistentemente é entendido como 5. Ou 6. Ou outro disparate qualquer, ao jeito de “espanta-espíritos”. Alguém questiona o uso de capacete num estaleiro de construção civil? Algum trabalhador do mesmo arrisca não cumprir as normas de segurança? Obviamente que não. Então, porque é que em locais onde se encontra população frágil não se tomam todas as medidas para a proteger? No mínimo, o uso de máscara, para impedir que alguém entre num hospital, num lar, sem uma doença respiratória grave, e a contraia lá”.
E acrescenta: “O trabalhador de um hospital, de um centro de saúde, ou até de um restaurante, em alturas de surtos deve usar máscara para se proteger, mas também para proteger os outros”.
Mário Freitas, que é colaborador regular do Diário dos Açores, publicando uma coluna semanal, lembra que no artigo desta semana, neste jornal, escreveu o seguinte: “Será que não aprendemos nada com a pandemia de Covid?”.
“Nos Açores há quem não entenda a importância da Epidemiologia, no dia-a-dia. Precisamente a região do país onde ela demonstrou maior sucesso no controlo da pandemia”
“Não podemos permitir nos Açores falhas nos serviços de saúde como vemos noutras paragens”
E acrescenta: “Acredito que as autoridades estão a fazer o melhor, no que toca a vigilância, e que sem receios não hesitam em tomar medidas na defesa da população, caso os cenários epidemiologicos se agravem”.
“Neste momento, tal como nos piores momentos da pandemia, nos Açores há que recordar que em momento algum podemos permitir falhas nos serviços de saúde (como temos visto noutras paragens), por causa destes surtos, pois isso implica mortes não só destas pessoas como de todas aquelas que morrem de outras causas, por falta de assistência a tempo e horas. Como há poucos dias vimos numa senhora, de 80 anos, que faleceu enquanto aguardava ser atendida”, conclui o médico na entrevista concedida ao Diário dos Açores.
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“Neste momento, tal como nos piores momentos da pandemia, nos Açores há que recordar que em momento algum podemos permitir falhas nos serviços de saúde (como temos visto noutras paragens), por causa destes surtos, pois isso implica mortes”