Ritos de Passagem! Alegria! Entusiasmo! Euforia de instantes. Tudo se espera de uma noite de Ano-Novo. Saudações a uma Vida Nova e a todas as portas que se abrem miticamente nesse novo ano.
Quantos projetos? Quantos sonhos e anseios parecem prometer esta frase?
Por instantes, o Planeta resplandeceu de luzes, cores e festas deslumbrantes, risos, bailes e canções, alegria e sonhos para milhões pessoas ma mítica passagem de ano. Esquecemos a miséria, a guerra, a corrupção, as vítimas do Poder nas incertezas e medo das sombras sinistras do futuro. Os sonhos da Paz numa “Natureza onde tudo está Bem” são anseios de filósofos e sábios para uma Humanidade sempre em guerra.
Um instante mágico ou mais uma ilusão de um despertar que não acontece? Que ficará do Ano passado? Como tudo se apaga com a realidade da madrugada de um outro dia que se diz ser de “Ano Novo”? Escreve-se nos calendários, fusos ou órbitas gravitacionais. Chegam os balanços das empresas, centros de negócios, da fama e do poder, no fabuloso progresso das sofisticadíssimas tecnologias até no digital que nos escravizam cada vez mais. Ritmos acelerados, mudanças inesperadas, tantas interrogações e surpresas nos deram o ano velho.
Fingem-se renascimento de corações, ambições, esperanças e aspirações e projetos se lançam na folhinha do calendário já quase inútil e sem préstimo. Agora a Vida é o Instante, oposição à força da inércia dos velhos hábitos. A loucura do imaginário de um Mundo onde a perfeição se alcançará, todos os homens serão generosos e a luz brilhará em todos os corações. Prometemos Vida Nova mas instalam-se os velhos hábitos que resiste ao adágio. Ano Novo, Vida Nova!
Mítica e utilitária, consumista e empolgada pelos meios de comunicação a nova modernidade grita Festa para cada dia em vez da construção da Paz.
Embrulha-se esta noite nos mais extravagantes festejos, numa frase que esconde gastos e loucuras desenfreadas. A frase fica oca fora do ritual, do mito, da repetição dos votos, na alegria contagiante das massas enlouquecidas do vazio de ter tanto e ser tão pouco.
Quantos ficaram pelo caminho? Quem ficou para trás? Também nós ficaremos e a festa continuará…
Quem tem coragem de afirmar a plenitude da sua felicidade? Esse slogan do “Dever de ser feliz” tornou-se num egoísmo cego e individualista que a sociedade aplaude e intoxica as multidões que se devem manter sempre insatisfeitas na ponte do arco-íris.
Slavoj Žižek (1947), considerado o filósofo mais perigoso do mundo pela sua rebeldia contra as massas conformadas, apontava para o “super ego” social que quer impor o dever de “compra, usa e deita” fora para corresponder à sociedade onde o consumo é o centro. Somos um produto pronto para gastar e depois passaremos nós a ser esquecidos logo que somos também consumidos.
É ridículo pensar nesse dever de ser feliz, se vemos por todo o lado desgraçados, infelizes, milhões de abandonados e, no meio do lixo mesmo à nossa beira espreitam abismos
Desfaz-se todo o engano nas badaladas da meia-noite numa roda cintilante de luz efémera e surdez ao grito do Planeta que chora a sua destruição. Também nós vamos mergulhar no esquecimento. O dever de ser feliz empurra-nos para diante. Lá, num futuro qualquer sempre do outro lado da ponte, a plena felicidade espreita-nos e ofusca-nos. É a Ilusão. Entretanto o ser humano não progride. Esquecemos os séculos e séculos e os milhões e milhões de sacrificados, escravizados e mortos que se escondem por trás desses minutos da passagem do ano.
Dia da Paz 1967 Papa Paulo VI
Os vícios são eufemisticamente apagados, a psicologia “explica tudo” com as frases feitas para todas as ocasiões da aparição do Mal. Kant também se referia aos vícios bestiais, da gula, a lascívia ou a anarquia. Ao amor físico de si, juntam-se os vícios sociais, ditos diabólicos, da inveja, da alegria pelo mal dos outros. Daqui se fomentam os males do ódio, da cobiça, da ganância sem fim.“Só a personalidade humana é capaz de desobedecer às inclinações para o mal que é descer abaixo de todos os outros animais e tornar-se governado pela razão da lei moral. Kant! A personalidade tem a disposição mais elevada de existirmos pela boa vontade, algo completamente válido, que nos conduz para o Bem.
O Ano Novo surge tal como o velho e não procuramos descobrir o sentido da Vida, na ilusão de cumprimento do super dever da felicidade? À custa de quem e com que direito esta frase é a prova do egoísmo animal? Estamos todos intoxicados pela força da ideologia! No presente a ironia da cultura de morte é ser hedonista! Os meios de comunicação, os média comandam o nosso pensar comum.Os grupos atiram achas pra a fogueira com atividades sem causa.
Neste momento milhares de cientistas, astrónomos, técnicos especialistas discutem a A.L, e muito mais que nunca chegará ao saber do comum das gentes. O futuro é a nossa ignorância e os nossos mais profundos medos. É o saber que a Natureza reduz a cinzas. São os projectos que nunca têm realidade. Planeia-se e escrevem-se ou guardam em milhares de conhecimentos que nunca se realizam. O destino da História joga-se na humanidade e será o livre arbítrio que a conduz. A Paz é a esperança maior.
Nunca o futuro foi mais inseguro, o medo nunca foi tão semeado, quanto mais conhecimentos alcançamos mais a ignorância grita a loucura humana.
Bom Ano Novo! A náusea da existência, a descoberta do absurdo, as desilusões constantes mostram como estes votos são reais apenas num instante e só para uma pequena parte da Humanidade. “O Tesouro das Cozinheiras” encerra mais “felicidade” porque o estomago vence facilmente a consciência.
Mas o Sistema exige a Festa. O Poder impõe a ilusão. O egoísmo torna-nos indiferentes ao sofrimento alheio, o esquecimento do Outro, dos que nunca terão festas. Humilhamos os desgraçados, os desesperados e tantos escravos com esta frase gritada aos quatro ventos! Preparemo-nos para guerra se queremos Paz.
Vale a pena meditar, pode ser este um momento, para olhar sem falsidade, afinal quem somos, o que valemos, o Bem que espalhamos. O Planeta morre à míngua! Como um baralho de cartas que cai, assim os povos caminham face a riscos e pavores como jamais aconteceram! Há fome em todos os sentidos. Nenhum gozo nem nenhuma felicidade nos contenta. A oportunidade de começar de novo, de construir a Pessoa centrada no Humano e não no animal é o desafio de cada dia.
Bom Ano Novo para construção de um Reino de Paz.
Lúcia Simas