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Caixas de Pandora

Os dados para análise, da semana: aumento de mais de 20% dos casos de cancro na Europa, até 2045
Hoje trago, para análise, de Lauren Chadwick para a Euronews, um artigo especialmente bem elaborado. O artigo baseou-se no novo relatório publicado na véspera do “Dia Mundial do Cancro” (dia 4 de Fevereiro), e salienta o peso crescente do cancro a nível mundial.
“Estima-se que o número de novos casos de cancro na Europa aumente 22,5% nas próximas duas décadas, de acordo com estimativas da “Agência Internacional de Investigação do Cancro (IARC).” O número de diagnósticos de cancro crescerá 55% a nível mundial, entre 2022 e 2045, passando de 19,9 milhões de casos de cancro em 2022 para 30,9 milhões de casos em 2045.
Entre os factores que contribuem para este aumento, salienta o artigo, estão o tabaco, o álcool, a obesidade, o envelhecimento da população e a poluição atmosférica. Actualmente, 1 em cada 5 pessoas desenvolve cancro durante a sua vida, enquanto 1 em cada 9 homens e 1 em cada 12 mulheres morre da doença. À medida que a incidência do cancro aumenta, a mortalidade por cancro também aumentará, passando de 9,7 milhões de pessoas, em 2022, para 16,6 milhões de pessoas a nível mundial, em 2045. O número de mortes por cancro na Europa poderá aumentar 32%,.
Continua o artigo referindo que na Europa o tipo de cancro mais comum é o cancro da mama, seguido do cancro da próstata e colorretal, de acordo com as estimativas para 2022 da IARC. As causas mais comuns de morte por cancro na UE são o cancro do pulmão, o cancro colorrectal e o cancro da mama.
Foca de seguida um relatório da “União Internacional para o Controlo do Cancro” (UICC), também publicado esta semana, que concluiu que existem grandes desigualdades na Europa no acesso aos cuidados oncológicos. Na Suécia, por exemplo, as pessoas com um estatuto socioeconómico baixo correm um risco mais elevado de morrer de cancro do que as pessoas mais privilegiadas.
Em Portugal, cerca de 30% das causas mais comuns de cancro estão ligadas ao consumo de tabaco.
Nos países com o “Índice de Desenvolvimento Humano” (IDH, indicador baseado na educação, na esperança de vida e no rendimento) mais elevado, 1 em cada 12 mulheres será diagnosticada com cancro da mama, e 1 em cada 71 mulheres morrerá da doença. Em contrapartida, nos países com o IDH mais baixo, apenas 1 em cada 27 mulheres é diagnosticada com cancro da mama, mas 1 em cada 48 mulheres morre da doença. As mulheres dos países com IDH mais baixo têm uma probabilidade 50% menor de serem diagnosticadas com cancro da mama (do que as mulheres dos países com IDH elevado), mas correm um risco muito maior de morrer da doença, devido ao diagnóstico tardio e ao acesso inadequado a um tratamento de qualidade.
Estima-se ainda que os novos casos de cancro nos países com IDH baixo aumentará 107% entre 2022 e 2045, enquanto o número estimado de casos de cancro nos países com IDH alto aumentará 36%.
Um inquérito da OMS a 115 países demonstrou que a maioria dos países não financia adequadamente os cuidados oncológicos, como parte da cobertura de saúde, tendo os peritos apelado a um grande investimento para resolver as diferenças entre países, conclui o artigo.

A Ciência da semana: trajectórias de morte e COVID-19

A trajectória de morte refere-se ao “padrão de morte”, e depende da causa da morte, seja morte súbita, doença crónica ou declínio constante da saúde devido a senescência (envelhecimento). A trajectória de morte é analisada em dois aspectos distintos: duração e forma. A duração refere-se ao período de tempo que um paciente tem de vida, e pode variar desde a morte iminente até vários meses. A forma refere-se a como essa duração é representada graficamente. Por outras palavras, a forma é “o curso da morte, sua previsibilidade e se a morte é esperada ou inesperada”.
Um dos “preconceitos” da Saúde Pública mundial tem sido o foco nas mortes agudas pela COVID. É um indicador atrasado e cobre apenas 1 das 5 trajetórias comuns de morte. Para a COVID as pessoas imaginam um gráfico como o que assinalo com 1: a pessoa contrai COVID, e depois tem uma morte rápida.
O gráfico 2 é outra trajetória de morte comum, que se vê em diagnósticos graves de cancro, mas também com a COVID: alguém está bem, contrai COVID e depois sofre um declínio ao longo de 1 a 2 anos, que pode causar (ou agravar) outro problema de saúde.
O gráfico 3 é uma terceira trajetória de morte comum, muitas vezes típica de falência de órgãos. Alguém contrai COVID e, num certo momento, tal causa (ou agrava) danos nos órgãos. As quedas no funcionamento dos órgãos são comuns, muitas vezes com recuperação, melhora, mas às vezes com declínio acentuado.
O gráfico 4 é uma quarta trajetória de morte comum: alguém tem uma base baixa, no funcionamento físico. Isto é sustentado por muito tempo, e só diminui gradualmente antes da morte. Aqui, a COVID pode aumentar a inclinação de cada declínio menor, ou acelerar todo o processo.
Cada uma dessas trajetórias estereotipadas pode sobrepor-se uma sobre a outra. A trajetória que se segue é uma combinação das trajetórias 2 e 4.

Há um grande declínio no funcionamento do corpo, uma linha de base mais baixa e depois uma cauda longa. Se isto for muito frequente com a COVID será deveras preocupante.
Depois de perceber o que aqui referi o leitor entenderá porque é que o foco principal nas hospitalizações ou nas mortes agudas é inadequado nesta fase da pandemia da COVID: muitas mortes “demorarão” 3 a 15 anos, com muitos anos de vida. É crucial manter a vigilância na transmissão e contágio.

A Homenagem da semana: ao povo açoriano

Depois de ver o seu mandato interrompido, por uma conjugação de factores hostil (e pouco centrados na preocupação nos problemas reais das pessoas), o governo liderado pelo Dr. José Manuel Bolieiro foi avaliado pelos eleitores. A coligação PSD/CDS/PPM cumprindo os acordos de 2020 entre o Dr José Manuel Bolieiro, Dr. Artur Lima e Dr. Paulo Estevão obteve uma confortável vitória regional, e esmagadora nas ilhas Terceira, Faial, São Jorge e São Miguel. A mensagem popular é clara, e deve ser entendida por todos. O que é essencial para as pessoas não se compadece com taticismos partidários. A instabilidade pode lesar (e muito) o que de mais garantido consideramos ter, fruto do velho espírito europeu de compaixão e solidariedade, nomeadamente a Saúde e a Segurança Social. Haja bom-senso.

Mário Freitas*

*Mário Freitas, médico consultor (graduado) em Saúde Pública,
competência médica de Gestão de Unidades de Saúde

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