Semana gorda e movimentada nos corredores da Assembleia Legislativa Regional dos Açores. A Horta como “centro do mundo político” açoriano, ou a devolução ao parlamento da sua verdadeira causa genética: a representação pura e dura do cidadão.
Discussão e votação do programa do XIV Governo Regional, num quadro que obriga a cedências, (re)encontros, equilíbrios, negociações. Este será sempre o segredo, reconhecendo-se em José Manuel Bolieiro a capacidade diplomática de, em cada caso e em cada momento, trabalhar em bastidores com igual ou maior eficácia do que no estímulo a declarações públicas ou “soundbites” que, as mais das vezes, servem apenas como manobras de diversão.
Não houve, de resto, surpresas na apresentação do programa (por vezes vaga e superficial, noutras – como no caso de Mário Rui de Pinho, um reputado investigador nas áreas que tutela – mais aprofundadas e com absoluto conhecimento de causa). Nem na contestação ou no contraditório.
Se é verdade que 24 dos 57 deputados são estreantes, e se lhes deve reconhecer a necessidade de um período de adaptação às funções e às particularidades do funcionamento de um órgão complexo e cujo regimento nem sempre é acessível “à primeira vista”, não é menos certo que muitos dos que já conhecem os cantos à casa continuam a ficar aquém das expetativas.
Seja na capacidade oratória (nem todos nascem com dom de palavra ou com propensão para a comunicação em plateias vastas…), seja nos modelos discursivos gastos, redondos, de contraditório permanente, mais apostados em rebater opiniões contrárias e em rebuscar exemplos de governação passada para justificar eventuais lapsos ou necessidade de correção de rota.
Foram dois dias e meio de “mais do mesmo”. Falta, muitas vezes, ao Parlamento açoriano disrupção, rasgo, atrevimento nas propostas e originalidade na argumentação. O cinzentismo sobrepõe-se, as cores unidas dos grupos e representações parlamentares são, muitas vezes, de tons demasiado discretos.
Nota muito positiva para duas novas deputadas. Dora Valadão, do Partido Socialista, e Hélia Cardoso, do Chega. Em âmbitos diferentes, revelaram conhecimento de causa, visão técnica e capacidade de argumentação.
Curiosamente, estreantes na ALRA mas claras mais-valias para o debate.
Faltou a “erupção Estêvão” (agora remetido a cargo governamental que lhe diminuirá claramente o espaço mediático), e a “disrupção Manes”, fora do hemiciclo pela redução da bancada do Bloco de Esquerda.
Sobrou a irreverência de Pacheco, o carinho a João Mendonça, agricultor e novo titular do mandato do PPM, e o “déja vu” da grande maioria das intervenções, das ideias, das contestações e… das votações.
Se aqui, no parlamento açoriano, estivesse o cronista espanhol de quinhentos Pedro Calderón de la Barca, logo daria um dos seus maiores ensinamentos: “Que o diga o tempo, pois, embora mudamente surdo, ele é o único que, sem dizer nada, diz tudo”…
Rui Almeida*
*Jornalista