Luís Montenegro vai ter uma tarefa gigantesca como primeiro-ministro.
Para além de acudir aos problemas do país, cumprir a agenda que propôs na campanha, equilibrar os humores de Ventura e evitar que a instabilidade política lhe encurte a governação, vai ter, ainda, que enfrentar as reivindicações das duas Regiões Autónomas.
É verdade que o PSD faz o pleno político – domina os três governos e tem um Presidente da República social-democrata – mas isto não significa que as relações entre todos seja um passeio sem atribulações.
Desde logo o governo de José Manuel Bolieiro vai querer resolver os vários assuntos que ficaram pendentes na governação de Costa. E não são poucos.
Se foram exigentes e críticos em relação ao desprezo com que o governo socialista votou os assuntos dos Açores, por coerência terão que exigir de Montenegro o mesmo que exigiam de Costa.
A verdade é que o futuro governo de Montenegro terá todo o interesse em que o governo de Bolieiro obtenha sucesso, por duas razões.
A primeira é que, dependendo os dois executivos do voto do Chega, a estratégia que for adoptada nos Açores será, certamente, a mesma a aplicar em Lisboa. Ou vice-versa.
Foi assim na campanha eleitoral açoriana, resultando que Montenegro muito deve à estratégia de Bolieiro, que mantendo por cá o “não é não”, mas depois negociando com êxito no parlamento regional, inspira o futuro governo da AD a seguir o mesmo caminho.
A segunda razão para o governo de Montenegro apoiar incondicionalmente o governo de Bolieiro é que se houver eleições a breve trecho, cá ou lá, convém que ambos tenham já um bom lastro de realizações e obra para mostrar, a fim de cativar os eleitores.
Não surpreenderá, por isso, que uma das primeiras medidas a tomar seja a realização de uma cimeira entre os dois governos para elencar os assuntos pendentes entre a República e os Açores, demonstrando que o pragmatismo será diferente do governo socialista.
Vamos assistir, nos próximos meses, ao desbloqueamento de muita coisa pendente nos gabinetes de Lisboa, a primeira das quais será uma definição mais clara das Obrigações de Serviço Público para o transporte aéreo, a questão do subsídio de mobilidade e o financiamento das obras do porto das Flores. Questões mais complicadas, como a Lei de Finanças Regionais, ficarão para depois.
Cá dentro, a estratégia de Bolieiro será semelhante à nacional.
É de todo o interesse para o governo de coligação regional avançar, o mais depressa possível, com as medidas de curto prazo mais vistosas anunciadas na apresentação do programa de governo, sobretudo as que se destinam aos jovens.
Isto porque, se os partidos que agora se abstiveram no programa, nomeadamente o Chega, forem tentados a chumbar o Plano e Orçamento, o governo já levará algum avanço de boa imagem junto do eleitorado.
Não é por acaso que o foco do discurso de Bolieiro foi nos jovens, a faixa do eleitorado que é preciso captar, porque está provado que os jovens tendem a votar nos partidos mais novos.
A sondagem conduzida à boca das urnas pelo ICS/ULisboa, o ISCTE e a GfK Metris no dia das eleições nacionais, divulgada pelo Expresso, demonstra que os jovens afastam-se dos partidos mais antigos (PS, CDU e AD), sendo atraídos pelo IL, Livre, Chega e BE.
Nos Açores não andaremos longe desta tendência, pelo que a estratégia do governo de coligação, depois de cativar os idosos com várias medidas na anterior legislatura, vem dizer que chegou a hora de olhar para os jovens.
Estará Bolieiro a preparar-se para uma eventual eleição antecipada?
Claro que sim, desde o primeiro dia em que conheceu o resultado eleitoral.
A instabilidade política, cá e lá, vai ser permanente e o mais certo é que ambas as legislaturas não vão chegar ao fim.
Não é por acaso que o líder regional do PSD percebeu, no último ano da legislatura anterior, que tinha de assumir uma postura de campanha todos os dias.
É uma estratégia que surge do olhar mais experiente de Bolieiro, confirmando que está diferente politicamente do que quando começou a sua presidência, tornando-se agora mais interventivo, mais seguro, assumindo a liderança de assuntos mais delicados, como a conversação com os outros partidos, e mais duro e decidido no discurso, como aconteceu nas negas às pretensões do Chega.
Poderá ser uma estratégia arriscada, mas é a mesma que vamos assistir em Lisboa: esticar a corda toda, mas tendo o lastro de obra feita que cative os eleitores, porque dá para ir a eventuais eleições antecipadas sem grandes receios, vitimizando-se e colocando o ónus da instabilidade nos partidos que derrubarem o governo.
Será um filme repetido do que assistimos na última legislatura, que resultou para a coligação açoriana. Até isto serve de laboratório para Montenegro.
Neste aspecto a coligação regional estará mais à vontade do que a oposição, com um processo complicado para resolver no Partido Socialista, que será a substituição de Vasco Cordeiro, notando-se já, internamente, um reposicionamento de determinados socialistas, alguns dos quais não estarão alinhados com a eventual candidatura de Francisco César, enfraquecido com o resultado que obteve nas eleições para a Assembleia da República e pelo facto de não ter assento no parlamento regional.
A hipótese Cristina Calisto, em que alguns apostavam, parece posta de parte por opção da própria, restando ainda a esperança, entre alguns socialistas de S. Miguel, no nome do jurista Rodrigo Oliveira, que fez o pleno nos governos de César e de Vasco Cordeiro, ocupando a pasta de Subsecretário Regional da Presidência para as Relações Externas.
Não será fácil para o PS resolver este problema a curto prazo, o mesmo acontecendo ao PSD se Bolieiro terminar os três mandatos mais cedo do que o previsto.
É uma questão por resolver que os dois maiores partidos têm nas suas agendas internas, embora por razões diferentes, a não ser que, das novas gerações, surja alguma surpresa nesta legislatura, o que não é crível, tamanha tem sido a hemorragia de gente jovem talentosa que está a sair dos Açores.
Mas sobre a fuga de jovens, ficará para próxima crónica.
Osvaldo Cabral
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