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A aprovação do programa do XIV governo regional

No dia 13 de março a aprovação do Programa do Governo não era ou necessária ou bastaria um empate; no dia 14 não existiam informações sobre conversações, mas no dia seguinte, na sexta-feira, aconteceu a aprovação do Programa com 26 deputados da Coligação e 7 abstenções do Chega, PAN e IL, e contra 24 do PS e do BE e com. Esta notícia, aparentemente normal, é em tudo estranha.
Mal se souberam os resultados das eleições do dia 4 de fevereiro surgiram dúvidas sobre a aprovação do Programa; tudo indicava que seria reprovado. Mas, o Diário Insular do dia 8 de março dava destaque à notícia de que «Votação só deve acontecer em caso de moção de rejeição», que «A apresentação do programa do governo aos parlamentares é suficiente e a aprovação é tácita» e que, «Segundo a análise que realizámos, a eventuais dúvidas parecem ter origem numa técnica legislativa deficiente, dado que algumas normas estatutárias apontam no sentido de um “parlamentarismo com investidura do governo”, como sucede em Espanha e na Alemanha – sistema que se contrapõe aos modelos parlamentares mais antigos, como o britânico, em que o governo entra imediatamente em funções apenas por efeito da nomeação pelo Chefe de Estado. Em contrapartida, outras normas estatutárias parecem refletir claramente um modelo intermédio de simples “apreciação” do programa “sem necessidade de votação e aprovação”, à semelhança do que acontece no sistema de governo da República e que aí se destina a facilitar a entrada em plenitude de funções de governos sem maioria absoluta (…) Parece claro que onde a letra do Estatuto diz “aprovação”, pode com relativa facilidade ler-se “apreciação”. E onde diz “apreciação e votação”, pode também com facilidade ler-se “apreciação e eventual votação”. São simples operações corretivas da letra da lei, com base no elemento sistemático-teleológico da interpretação. Os constitucionalistas que consultámos concordam com esta formulação.» E também pelo Açoriano Oriental, do dia 13, ficamos sabendo que «Segundo fonte do gabinete do Presidente da Assembleia Regional ouvida pelo Açoriano Oriental, “a praxis desta casa é que houve sempre votação” do Programa de Governo. E para o documento ser aprovado, basta haver um empate no número de votos.»
Tais notícias remetem-nos para um planeta diferente do nosso porque não existe em Portugal nenhuma tese que defenda tais diabruras. Sobre o tema sistema de governo regional não existe nenhum estudo sistémico; as elementares anotações nos principais manuais e obras diversas não desenvolvem este assunto; e ainda menos sobre a aprovação do Programa.
Essa perplexidade advém, sobretudo, da clareza do sistema regional autonómico. A Constituição prevê o regime autonómico; na maioria dos casos são os pilares, porque a argamassa é desenvolvida por outras leis, pelos Estatutos Políticos Autonómicos, pelas leis eleitorais, pelas leis de enquadramento orçamental, pela lei de finanças das regiões autónomas… O Estatuto desenvolve a Constituição; e nesse desenvolvimento, a fixação é generalista também, ou seja, fixa as estruturas e as argamassas são depois desenvolvidas por outras leis. A exemplo: a força do decreto legislativo regional já está na Constituição; mas a forma da sua aprovação consta do Estatuto; o decreto regulamentar regional está previsto na Constituição, mas é no Estatuto que está a lista das matérias em que é obrigatória essa tipologia. As normas e os poderes da Assembleia Legislativa, a aprovação, a tipologia das maiorias, enfim uma panóplia de assuntos sobre o sistema autonómico estão no Estatuto; mas a diversificada vida parlamentar está desenvolvida no Regimento Parlamentar. Ora, bem: o sistema é da Constituição; o desenvolvimento desse sistema é do Estatuto; e o sistema desenvolvido do Estatuto é preenchido por outras leis. Tendo isso presente – que é muito básico, vejamos como funciona a aprovação do Programa.
O Estatuto, nos artigos 34.º, 44.º, 47.º e 86.º, determina as regras de aprovação do Programa, e que são: compete à Assembleia Legislativa, sob a forma de resolução, aprová-lo, com maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções, implicando a demissão do Governo a rejeição desse programa.
O Regimento Parlamentar, nos artigos 94.º, 95.º, 99.º e 162.º, determina as regras funcionais da aprovação do Programa, e que são: nas prioridades das matérias fixadas na agenda para deliberação tem preferência a apreciação do Programa, as deliberações serão tomadas à pluralidade de votos e as abstenções não contam para o apuramento da maioria, e quando a votação produza empate, a matéria entra de novo em debate, e o empate na segunda votação equivale a rejeição, e a rejeição do Programa exige maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções.
Ora, quando há um empate (ou seja, 28 deputados a favor e 28 deputados contra, e uma abstenção, que totaliza os 57 deputados), é um empate, efetivamente; não existe nem vitória dos 28 a favor, nem existe rejeição dos 28 vencidos. O Estatuto não prevê o empate; e tem sentido que o não faça, por via da doutrina que fixamos inicialmente. Cabe ao Regimento Parlamentar dar resposta a essa omissão; e dá, porque diz que se houver um 1.º empate, prossegue-se no diálogo e uma 2.ª votação cujo empate determina a rejeição do programa. Caso essa norma do Regimento não existisse o parlamento ficava bloqueado – porque não pode, sem norma, inventá-la. E não pode inventar porque vivemos numa democracia onde as deliberações são necessariamente sob a regra da legalidade. E tem sentido que também apenas dê duas hipóteses, e não três, sete ou mil: os deputados, ou se entendem com as regras democráticas, ou então têm de fazer outras leis.
Perante tudo isto a democracia exige, em absoluto, respostas: É da prática do Parlamento que na aprovação do Programa «basta haver um empate no número de votos»? Se isso for verdade, e foi o Presidente do Parlamento que o disse, a Assembleia Legislativa tem estado a laborar ilegalmente? Por que motivo político e em que moldes o Chega, o PAN e o IL se abstiveram de dar o seu voto favorável ou negativo? Essa informação é necessária, porque as populações votaram nestes partidos num registo de rejeição das políticas da Coligação e, de repente, mudaram de opinião; os motivos são sérios?, ou existem elementos corruptivos? O Chega diz que há acordo; a Coligação diz que não. Ou houve uma corrida da Coligação em direção ao Chega, PAN e IL em virtude da explicação do Açoriano Oriental do dia 13?, quando aí se percebeu que o 2.º empate é uma rejeição?

Arnaldo Ourique

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